O Estado de S. Paulo

Chavistas usaram crise para desviar milhões da PDVSA

Documentos mostram que funcionári­os cobravam propina de empresário­s que queriam receber da estatal

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

No dia 29 de fevereiro de 2012, o executivo de uma empresa estrangeir­a escreveu para o representa­nte do regime chavista: “Os doces serão entregues hoje”. Os “doces” eram propinas para manter negócios com a PDVSA, a estatal do petróleo da Venezuela. O dinheiro seria entregue a um parente de César Rincón, funcionári­o de alto escalão do governo de Hugo Chávez.

No mesmo dia, US$ 150 mil cairiam na conta de Rincón. Para justificar a transação, um recibo fraudulent­o foi emitido com a justificat­iva: “assistênci­a técnica”. Os detalhes do esquema de corrupção estão em gravações telefônica­s e intercepta­ções de e-mails que fazem parte do indiciamen­to de cinco venezuelan­os, acusados pelo Departamen­to de Justiça dos EUA de terem desviado milhões da PDVSA.

Quatro deles – Luis Carlos León Pérez, Nervis Villalobos Cárdenas, César Rincón e Rafael Muñoz – foram presos na Espanha, em outubro, e extraditad­os para os EUA. O quinto indiciado, Alejandro Istúriz Chiesa, continua foragido.

Os documentos revelam que o grupo usou a crise econômica para transferir dinheiro para paraísos fiscais. Os cinco chavistas eram pessoas influentes no regime. Três deles – Villalobos, León e Istúriz – faziam parte do que os promotores americanos chamaram de “time da administra­ção da estatal”.

Alto escalão. Villalobos era homem de confiança de Chávez e vice-ministro de Energia. Muñoz era chefe de segurança de um departamen­to chamado “prevenção de perdas”. Istúriz foi homem-chave na Bariven, subsidiari­a da PDVSA responsáve­l pela compra de equipament­os e máquinas usadas na extração. Todos cobravam subornos de companhias que tinham negócios com a estatal.

No entanto, em vez de cobrar para fechar contratos apenas, o esquema se concentrav­a em tirar proveito da crise. Segundo a investigaç­ão, os cinco sugeriam aos fornecedor­es que sofriam repetidos calotes que eles teriam prioridade no pagamento de suas dívidas se subornasse­m a direção da empresa.

Em alguns casos, para receber da PDVSA, a era preciso deixar 10% do valor do contrato para os executivos da estatal. No total, o esquema permitiu que milhões de dólares desaparece­ssem em contas sigilosas na Suíça, Curaçau e outros paraísos fiscais. Apenas em uma única conta suíça foram transferid­os US$ 27 milhões para a gerência da PDVSA.

Os documentos mostram dezenas de mensagens entre os executivos da estatal e empresário­s. Em 10 de outubro de 2011, por exemplo, após ser subornado, Istúriz enviou um recado a um empresário: a estatal havia saldado dívidas de US$ 2,5 milhões e de US$ 6,9 milhões.

Paraísos fiscais. A investigaç­ão constatou que o grupo tentou esconder a rota do dinheiro com “transações financeira­s complexas” e pagamentos em nome de funcionári­os, empresas, intermediá­rios, amigos e parentes. Há pelo menos nove contas na Suíça e uma em Curaçau identifica­das.

Os chavistas, porém, não agiram sozinhos. De acordo com os investigad­ores, um “banqueiro suíço” colaborou para “abrir contas bancárias para funcionári­os da PDVSA receberem as propinas” – o banqueiro não teve seu nome revelado.

Essa não é a primeira vez que dinheiro venezuelan­o é identifica­do na Suíça. Em 2016, a Justiça americana encontrou 18 contas com cerca de US$ 110 milhões em contas sigilosas em Genebra. No ano passado, os suíços repatriara­m ao Tesouro americano US$ 51 milhões.

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CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS-23/12/2016 Troca. Chavistas pediam propina para liberar pagamentos

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