O Estado de S. Paulo

Para economista­s, ‘duplo mandato’ do BC é retrocesso

Para ex-integrante­s do banco, cuidar de inflação e do cresciment­o econômico ao mesmo tempo poderia levar ao descontrol­e de preços

- Fabrício de Castro / BRASÍLIA MUDANÇA POLÊMICA

A possibilid­ade de o Banco Central passar a perseguir dois objetivos – o controle da inflação e o cresciment­o econômico – é vista como um retrocesso por ex-presidente­s e ex-diretores da instituiçã­o. Para eles, a introdução do chamado “duplo mandato” para o BC pode levar ao descontrol­e da inflação e até a questionam­entos na Justiça sobre os juros no País.

No projeto de autonomia do Banco Central, que está sendo formulado pelo governo, uma das propostas é a de que a instituiçã­o passe a fazer política monetária com os olhos no controle de preços e também no cresciment­o econômico ou na geração de empregos. Atualmente, o BC tem o foco voltado apenas para os preços, sendo que sua ferramenta para controle da inflação é a Selic (a taxa básica de juros), hoje em 6,75% ao ano.

O modelo estudado no governo é semelhante ao adotado nos Estados Unidos, onde o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) determina sua taxa de juros de modo a controlar a inflação e, ao mesmo tempo, criar postos de trabalho.

Para o economista Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), essa ideia “não faz o menor sentido para uma economia como a brasileira”.

“Em economias estabiliza­das, com uma longa tradição de inflação baixa, você até pode se dar ao luxo de ter dois objetivos. Mas mesmo nos Estados Unidos o duplo mandato tem sido objeto de discussões, o que traz inseguranç­a ao mercado e afeta as expectativ­as de inflação”, disse.

Único. Os Estados Unidos estão sozinhos no modelo de duplo mandato. As demais economias centrais e os países emergentes com economias relevantes possuem regra semelhante à adotada hoje no Brasil, em que o BC mira apenas a inflação. A lógica econômica por traz disso é a de que, com os preços sob controle, garante-se um cresciment­o sustentáve­l ao longo do tempo.

“Cumprindo bem sua função, de controle da inflação, o Banco Central acaba permitindo que se tenha um cresciment­o sustentáve­l”, defendeu o ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultori­a Integrada, Gustavo Loyola. “Impor ao BC uma obrigatori­edade de ter um ‘olho no peixe e outro no gato’ pode enfraquece­r o controle da inflação, que é a tarefa precípua dos bancos centrais. O cresciment­o da economia depende de vários outros fatores, e não só do Banco Central.”

Loyola cita ainda o risco de com o duplo mandato as decisões do Banco Central sobre a Selic acabarem indo parar no Supremo Tribunal Federal (STF). “No Brasil, existe um excesso de judicializ­ação. Imagine que o BC, com mandato duplo, esteja fazendo determinad­a política e que um partido ou o Ministério Público ache que ele controla a inflação, mas não gera emprego”, exemplific­ou Loyola. “Então, o partido vai procurar o STF dizendo que o Banco Central não está cumprindo seu objetivo. De repente, teremos ministros do Supremo tendo de decidir se o BC deve baixar ou subir os juros. Seria uma insanidade.”

‘Burrice’. Ex-diretor de Assuntos Internacio­nais do Banco Central, o economista Alexandre Schwartsma­n, da Schwartsma­n e Associados, qualifica a ideia do governo de estabelece­r duplo mandato para o BC como uma “burrice atroz”. “Se forem estabeleci­dos dois objetivos (inflação e cresciment­o), o que o BC fará, já que ele tem um instrument­o (a Selic)? Isso pode causar vários problemas.”

Para o economista Luis Eduardo Assis, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, a ideia de autonomia é importante, para blindar a instituiçã­o de influência­s externas. A autonomia permitiria “formalizar uma situação que já existe de fato: a de independên­cia do Banco Central”. Já o duplo mandato é criticado pelo economista. “Há coisas mais importante­s para o governo tratar.”

Impor ao BC uma obrigatori­edade de ter um ‘olho no peixe e outro no gato’ pode enfraquece­r o controle da inflação.” Gustavo Loyola, EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A

Mesmo nos EUA, o duplo mandato tem sido objeto de discussões, e traz inseguranç­a.” Carlos Langoni, EX-PRESIDENTE DO BC E DIRETOR DO CENTRO DE ECONOMIA DA FGV

A ideia do governo de estabelece­r duplo mandato para o Banco Central é uma burrice atroz.” Alexandre Schwartsma­n, EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIO­NAIS DO BC

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