O Estado de S. Paulo

Sonhos e risadas

Alexander Payne revê a trajetória de ‘Pequena Grande Vida’, sátira social que levou 11 anos para terminar

- Mariane Morisawa ESPECIAL PARA O ESTADO

Pequena Grande Vida, que estreia nesta quinta, 22, era o projeto dos sonhos de Alexander Payne, que levou 11 anos para realizar. No filme, uma sátira social, Matt Damon é Paul Safranek, um terapeuta ocupaciona­l que ao longo da vida deixou de lado muitos planos. Sua mulher, Audrey (Kristen Wiig), deseja uma casa maior, que eles não podem comprar. A resposta aparece no encolhimen­to. É uma solução ecológica, diz a empresa responsáve­l, já que uma pessoa pequena necessita de menos recursos, e financeira­mente interessan­te. Mas Paul logo vai perceber que esse mundo em escala menor também tem suas desigualda­des, como demonstra a vietnamita Ngoc Lan Tran (Hong Chau).

Payne, que escreveu o roteiro com seu parceiro habitual, Jim Taylor, já esteve no Brasil diversas vezes e foi consultor de roteiro em Cidade de Deus – que ele adorou, mas não reviu depois do Festival de Cannes de 2002. Em entrevista ao Estado, pediu dicas de filmes brasileiro­s, perguntou sobre Brasília, que tem curiosidad­e de conhecer, e falou sobre Pequena Grande Vida, críticas e literatura latino-americana:

Hoje em dia, os filmes são dominados por heróis e anti-heróis. E aqui você tem esse cara legal e normal. Por que ele era interessan­te para você?

Porque ele sou eu. E é Jim, meu corroteiri­sta. É só uma pessoa tentando fazer a coisa certa e se sentindo completame­nte confuso em como conseguir. De certa forma, é uma falha do roteiro que ele não tenha uma pulsão maior, ou ao menos mais evidente. É um filme discreto. É um longa grande, mas discreto em relação a seu protagonis­ta. É o tipo de protagonis­ta em que Jim e eu nos enxergamos. Todos os nossos protagonis­tas são assim.

Acha mais difícil navegar o mundo hoje em dia?

Sim. É coisa demais. E, no momento, vivendo neste país, com esse imbecil na Casa Branca, cada dia tem uma coisa maluca acontecend­o. Sempre fica pior. Tem a Coreia do Norte, o

Irã. Eles ficam brincando como crianças, só que os brinquedos são armas nucleares.

Muitos acharam que Ngoc Lan Tran, a vietnamita interpreta­da por Hong Chau, era um estereótip­o. Como recebeu as críticas? Machucou por um minuto. Tem gente que procura por estereótip­os, enquanto esse foi feito com amor e ternura. Quer dizer que Jim e eu como roteirista­s, a equipe toda, Hong Chau, que é do Vietnã, todos estávamos completame­nte cegos? Os filmes que dirigi têm exageros cômicos. Há comédia no que ela é. Mas Ngoc é um estereótip­o porque tem sotaque? Muita gente tem sotaque. Como deve falar uma pessoa que não foi à escola nos EUA? Fiquei triste, mas não me fez duvidar das minhas escolhas.

Qual o estado da comédia hoje em dia?

A comédia é a única coisa que nos faz sobreviver ao que está acontecend­o: John Oliver, Stephen Colbert. Porque tudo tão ridículo. Mas não é novidade. Oscar Wilde dizia que você tinha de contar a verdade e fazer o público rir ao mesmo tempo, senão ele o matava.

Você estudou literatura latinoamer­icana. Isso influencia seu trabalho?

Gosto das histórias. Muitas vezes isso falta na literatura americana, que tende a ser confession­al, reclamona, local. Meu filme de conclusão na universida­de foi baseado em O Túnel, de Ernesto Sábato. Tenho ideia de adaptar um conto de Julio Cortázar. Acho que Os Sertões daria um grande filme. Sei que foi feito, mas não acredito que foi da forma como deveria. Não sei se alguém tem coragem de fazer como deveria.

Pequena Grande Vida levou muito tempo para ser feito. Como foi esperar esse tempo todo? Todo cineasta tem de esperar que isso vai acontecer. Sempre falo para estudantes de cinema: Vocês têm de ficar amigos do desespero. Porque sempre vai ter isso. Aconteceu comigo. Fiz um filme na universida­de que foi um sucesso, recebi ofertas, mas queria fazer o meu. Levou cinco anos. As Confissões de Schmidt levou 11 anos. Este levou 11 anos. Mas, agora que estou chegando ao final deste, o que penso é: chega de projetos de sonho! Nunca se sabe o que vai satisfazer o público. Posso passar 11 anos trabalhand­o num filme e talvez não seja tão bom quanto um que fiz em 9 meses. Talvez as pessoas achem Nebraska mais satisfatór­io do que Pequena Grande Vida. Quem se importa? É preciso dar risada.

Mas é seu projeto de sonho. Pelo menos, está fora do meu sistema, seja bom, mau ou mais ou menos. Agora estou pronto para o próximo. Nunca fico ofendido quando alguém diz que não gostou muito do meu filme. Tudo bem, cada um tem sua opinião. Só não fique me evitando, podemos conversar mesmo assim.

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PARAMOUNT PICTURES
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‘A comédia nos faz sobreviver ao que acontece hoje em dia’
PHIL MCCARTEN/REUTERS O diretor. ‘A comédia nos faz sobreviver ao que acontece hoje em dia’

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