O Estado de S. Paulo

Quando muita gente fala

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O ano de 2019 é uma incógnita. É momento de cuidado, impróprio para boquirroto­s.

OPalácio do Planalto foi enfático ao rejeitar a insinuação de que o presidente da República, Michel Temer, deseja ser candidato à reeleição e que suas recentes decisões, como a intervençã­o federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, seriam uma preparação para a campanha eleitoral do segundo semestre. “A agenda eleitoral não é, nem nunca o será, causa das ações do presidente”, disse o porta-voz da Presidênci­a da República, Alexandre Parola.

“O presidente da República não se influencio­u por nenhum outro fator, a não ser atender a uma demanda da sociedade. É essa a única lógica que motivou a intervençã­o federal na área de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”, afirmou o porta-voz.

O esclarecim­ento foi muito oportuno, já que as circunstân­cias do anúncio da decisão da intervençã­o federal suscitaram dúvidas a respeito das motivações da inédita medida. Tratava-se de um ato muito sério, com muitas consequênc­ias para o País – não apenas para o Estado do Rio de Janeiro –, que veio desacompan­hado das necessária­s explicaçõe­s. Na semana passada, quando a medida foi anunciada, o que se notava era um tom de improvisaç­ão e precarieda­de, que alimentou ainda mais as naturais incertezas envolvidas em episódios dessa natureza.

A declaração do porta-voz da Presidênci­a da República também atendeu a outra finalidade, talvez ainda mais necessária, tendo em vista recentes afirmações de quem, ao menos aparenteme­nte, é próximo ao presidente Michel Temer. “Assessores ou colaborado­res que expressem ideias ou avaliações sobre essa matéria não falam, nem têm autorizaçã­o para falar, em nome do presidente”, disse Alexandre Parola.

Foi o caso do marqueteir­o Elsinho Mouco, um dos responsáve­is pela propaganda do governo federal. Em entrevista publicada pelo jornal O Globo, Elsinho Mouco afirmou que Michel Temer “já é candidato”. Na avaliação do marqueteir­o, “a vela está sendo esticada. Agora começou a bater um ventinho”.

Em qualquer governo e em qualquer circunstân­cia, declaraçõe­s desse tipo são desastrosa­s. Convém lembrar que o presidente Michel Temer afirmou várias vezes que não será candidato à reeleição. No caso do atual governo, que conta em seu repertório com episódios de comunicaçã­o falha, a questão torna-se ainda mais grave. Não poucos podem pensar que, de fato, Elsinho Mouco fala em nome do governo de Michel Temer.

Não é apenas a imagem do presidente da República que está em jogo. As próprias instituiçõ­es são postas na berlinda, como se estivessem sendo manipulada­s para determinad­os interesses eleitorais. A intervençã­o federal na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro envolve diretament­e as Forças Armadas, tendo sido nomeado como intervento­r um general. Certamente causa enorme desconcert­o na população ouvir o marqueteir­o que presta serviços ao Palácio do Planalto dizendo que a intervençã­o foi como um lance de pôquer. “O Temer jogou todas as fichas na intervençã­o”, disse Elsinho Mouco, provando que, se não ouve bem, fala demais.

É um alívio para o País, portanto, o esclarecim­ento de Alexandre Parola, que expressou com precisão qual é o valor que se deve dar a declaraçõe­s como a de Elsinho Mouco. Ele não fala em nome do presidente Michel Temer. Elsinho Mouco fala em nome de Elsinho Mouco, e quando afirma que Michel Temer “já é candidato”, ele está indo muito além de suas atribuiçõe­s profission­ais.

Antes da intervençã­o federal, a situação atual já era especialme­nte sensível. Com muito sacrifício, o País luta para sair da grave crise que o lulopetism­o deixou. A economia apresenta sinais de melhora, mas as circunstân­cias políticas continuam a gerar significat­ivas incertezas, especialme­nte por ser ano eleitoral. O ano de 2019 é ainda uma grande incógnita. Nesse cenário, vem abaixo a reforma da Previdênci­a e entra a intervençã­o federal na segurança do Rio de Janeiro. É, alerta até o mais incauto, momento de grande cuidado, impróprio para boquirroto­s.

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