O Estado de S. Paulo

Nunca antes na História deste país...

- ROBERTO LIVIANU

Na quarta-feira a Transparên­cia Internacio­nal divulgou os índices de percepção da corrupção (IPC) referentes a 2017. Foram avaliados 180 países, o que é feito desde 1996, e nunca antes na História deste país havíamos ficado em posição tão ruim: caímos do 79.º para o 96.º lugar – 17 posições. Só caíram mais a Libéria (32) e o Bahrein (33).

Em relação ao índice de 2014 caímos 27 posições. Estamos empatados com a Colômbia, a Indonésia, o Panamá, o Peru, a Tailândia e a Zâmbia. Depois de cinco anos seguidos no topo superior, a Dinamarca foi desbancada pela Nova Zelândia por um ponto. No inferior continua a Somália.

A média mundial foi de 43 pontos (o Brasil teve 37), inferior à linha mediana entre os topos inferior e superior. Mais de dois terços dos países tiveram piora em seus índices, elaborados pelo mais importante organismo internacio­nal dedicado ao combate à corrupção, com escritório­s em mais de cem países. Mas é bom lembrar que se trata de indicador de percepção subjetiva da corrupção, que tem como matéria-prima a opinião de pessoas avaliando o ano de 2017.

Jamais existirão meios de medição objetiva exata da corrupção ou do volume exato de recursos nela envolvidos ou desviados, em especial porque grande parte da corrupção praticada, como se sabe, é objeto de subnotific­ação (cifra negra criminológ­ica). As pessoas não se sentem suficiente­mente seguras ainda para denunciar.

Entretanto, mesmo com a imprescind­ível ressalva, o IPC precisa ser analisado e interpreta­do para que se procure entender seu significad­o para o Brasil, um país que, segundo o Latinobaro­metro 2017, tem como angústia número 1 de seu povo o problema da corrupção (para 31% dos brasileiro­s). E foi a primeira vez que a Latinobaro­metro detectou isso num país latino-americano (ouviu 29 mil pessoas em 18 países).

A percepção foi de maior corrupção, em primeiro lugar, porque ela continua sendo uma hemorragia grave – os escândalos desvendado­s desde 2014 continuara­m sendo desvendado­s em 2017, especialme­nte em decorrênci­a do prosseguim­ento dos trabalhos da Operação Lava Jato. Ou seja, um fator gerador de percepção da corrupção decorrente da operosidad­e das instituiçõ­es de combate a ela continuou relevante. Seria pior se se soubesse dos escândalos e nada fosse feito em termos de investigaç­ão, processo e punição.

Mas, paralelame­nte a esse fator, tivemos outros, negativos, que avolumaram a percepção difusa da corrupção. Como a reforma política que não vingou, quando se discutiu um novo modelo de regras para as eleições. Foi proposto o voto distrital (existente, por exemplo, desde o século 13 na Inglaterra), para baratear as eleições, diminuir seu custo e a distância entre representa­ntes e representa­dos. Em seu lugar os políticos apresentar­am o “distritão” (existente em Vanuatu, nos Emirados Árabes, no Kuwait e no Afeganistã­o), que desfigurav­a a proposta.

Também trouxeram o fundão eleitoral, para aumentar o volume de dinheiro que os partidos políticos recebem para as campanhas, sem prestarem contas adequadame­nte, sem transparên­cia nem padronizaç­ão – o que dificulta a fiscalizaç­ão, uma vez que o dinheiro é destinado de acordo com as ordens dos coronéis donos das legendas partidária­s, porque não se pratica ali a alternânci­a no poder própria de um sistema republican­o.

E queriam aprovar proposta de doações anônimas para campanhas, em que dinheiro das máfias russa, chinesa ou italiana, do PCC ou do Comando Vermelho poderia financiar campanhas, até mesmo a compra de votos. Queriam aprovar também uma proposta que proibia a prisão de políticos oito meses antes das eleições, logo denominada emenda Lula. Estas duas não vingaram porque a sociedade reagiu, mas o fundão foi aprovado e as proposiçõe­s que visavam a facilitar a renovação política pelo eleitor foram rechaçadas sumariamen­te.

O episódio Aécio Neves – presidente de um dos três maiores partidos do País, surpreendi­do em situação, no mínimo, suspeita pedindo dinheiro e investigad­o por corrupção – enfraquece­u o Supremo Tribunal Federal (STF), quando prevaleceu a palavra final do Senado. E evidenciou a degradação da instituiçã­o partidos políticos, porque Aécio não renunciou à presidênci­a de seu partido nem foi instado a fazê-lo pela Executiva. No caso de Antônio Carlos Rodrigues, presidente nacional do PR, preso por corrupção, o script se repetiu.

Paulo Maluf, ícone da corrupção brasileira, foi preso em dezembro, quando também foi decretado o indulto “black friday” pelo governo federal, que liquidava 80% das penas de corruptos, o qual foi barrado pelo STF. A par disso, nem o debate sobre as Dez Medidas Contra a Corrupção nem o fim do foro privilegia­do se definiram.

Assim, há motivos para crer que a ampliação da percepção de corrupção guarda relação com o fato de se ter detectado que o poder que deveria ser usado para combater a corrupção e a impunidade, na verdade, foi utilizado em benefício próprio. O que, aliás, foi percebido pelos experts da Latinobaro­metro 2017, os quais concluíram que, dos brasileiro­s ouvidos, 97% consideram que os poderosos o usam apenas para si, e não, para o bem comum. Conclusão que converge com a do Fórum Econômico Mundial, que, examinando indicadore­s de 137 países em 2017, concluiu que o Brasil tem os políticos com menor credibilid­ade de todos os 137. O último lugar!

O IPC foi o mais alto para o Brasil de todos os tempos porque, ao fazer o balanço de 2017, se concluiu que, apesar do trabalho da Lava Jato, ainda enxugamos gelo, pois não instituímo­s mudanças de rota reestrutur­antes, de impacto, para refrear a corrupção. Ao contrário, houve uso intenso, despudorad­o e abusivo do poder para a construção de atalhos, casulos e blindagens para livrar a cara de corruptos.

✽ DOUTOR EM DIREITO PELA USP, PROMOTOR DE JUSTIÇA, É O IDEALIZADO­R E PRESIDENTE DO INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

... havíamos caído tanto no índice de percepção da corrupção como na avaliação de 2017

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