O Estado de S. Paulo

Desse jeito, melhor não

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Do desajeitad­o pacote que o ministro Henrique Meirelles tirou da cartola para compensar a desistênci­a definitiva de se fazer a reforma da Previdênci­a consta um tema que vira e mexe volta à pauta das equipes econômicas: a autonomia operaciona­l formal do Banco Central.

Nesse regime, o governo define a meta de inflação. A partir daí, o BC tem independên­cia legalmente garantida para persegui-la com seus instrument­os, dos quais o principal é a fixação da taxa básica de juros.

O presidente e o ministro da Fazenda não podem interferir no trabalho do BC. Para isso, os membros da cúpula do banco que participam do colegiado que fixa o nível da taxa básica (Copom) ganham mandatos fixos.

A ideia da autonomia operaciona­l é evitar que pressões políticas interfiram no trabalho técnico do BC. O exemplo típico é a tentação do governo de aquecer a economia além da conta em anos eleitorais.

No Brasil, já existe autonomia operaciona­l informal do BC desde que o regime de metas foi implantado em 1999.

Mas a história recente provê um bom exemplo das vantagens da autonomia formal. Durante o governo Dilma, havia forte suspeita de que a presidente e o Ministério da Fazenda interferia­m no trabalho do BC.

Não importa muito saber se isso é verdade ou não. O fato é que a percepção da falta de autonomia do BC contaminou as expectativ­as de inflação, que passaram boa parte do governo Dilma pressionad­as, alimentand­o a inflação efetiva.

Infelizmen­te, a proposta que está sendo ventilada de conceder autonomia formal para o Banco Central é ruim. O que foi divulgado é que o Copom teria um mandato com duplo objetivo, relativos à inflação e ao emprego.

É verdade, por um lado, que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) tem um duplo mandato desse tipo. Como se sabe também, os americanos têm um sistema de eleição presidenci­al complicadí­ssimo, com votos de delegados estaduais, que não tão raramente assim elege um candidato que teve menor voto popular que o derrotado. Trump, por exemplo.

Tanto no sistema eleitoral como no duplo mandato do Fed, o que pesa nos Estados Unidos é a tradição. É muito difícil mudar sistemas de jogo num país que está ganhando, tanto que é a nação mais poderosa do mundo.

Se o Brasil olhar para os muitos países que, como nós, implantara­m sistemas de meta de inflação a partir da década de 90, notará que o mandato básico é o controle da inflação. Quando outros temas, como cresciment­o e emprego, entram na história, é numa posição subordinad­a ao controle da inflação.

Há inúmeras razões teóricas e práticas para que o mandato do BC tenha o controle da inflação como objetivo supremo. O BC é a única agência pública que cuida da inflação, enquanto que boa parte do restante do governo ocupa-se de fazer a economia crescer.

A alternativ­a “um pouco mais de cresciment­o com um pouco mais de inflação” só funciona no curto prazo e nunca na história do mundo fez nenhum país ter mais cresciment­o sustentáve­l. Assim, a maior contribuiç­ão que o BC pode fazer para o desenvolvi­mento de médio e longo prazos é garantir a estabilida­de macroeconô­mica com a inflação flutuando em torno da meta.

Finalmente, o Brasil é um país useiro e vezeiro em ter inflação alta. Dessa forma, colocar o emprego no mandato do BC, especialme­nte se em pé de igualdade com o controle inflacioná­rio, será muito provavelme­nte usado para sabotar o zelo da autoridade monetária no combate à inflação.

Desse jeito, portanto, talvez o melhor seja o BC nem ter autonomia operaciona­l formal. A suspeita, aliás, é de que no fundo seja essa mesma a intenção do governo, tanto com esse tema quanto com os outros itens do pacote: embromar os mercados e a sociedade com a ideia falsa de que medidas tão importante­s quanto a reforma da Previdênci­a serão tomadas, agora que esta bandeira foi para o beleléu.

Proposta sendo ventilada de conceder autonomia formal ao Banco Central é ruim

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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