O Estado de S. Paulo

O malabarism­o de Temer

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Etudo se acabou na quarta-feira. Na véspera do carnaval, o Planalto ainda parecia empenhado em levar adiante o que anunciara poucos dias antes: uma derradeira tentativa de mobilizar a maioria de três quintos que permitiria a aprovação da reforma da Previdênci­a, ainda em fevereiro. Mas, num piscar de olhos, as prioridade­s mudaram. E, de início, Temer nem mesmo deu o dito por não dito. É impression­ante a semcerimôn­ia com que políticos podem abandonar de chofre um tema que lhes dominou o discurso por meses a fio, como se jamais tivesse sido sequer mencionado.

É bem verdade que o tema ficara espinhoso. Já em dezembro, parecia claro que a aprovação da reforma se tornara difícil. Mas o Planalto fez o que pôde para manter viva a perspectiv­a de aprovação, dando amplo uso ao tema para ocupar o noticiário de janeiro.

No fim do recesso parlamenta­r, contudo, o governo já não escondia sua apreensão com o ônus político que poderia advir do desfecho decepciona­nte da longa batalha pela aprovação da reforma. O desafio passara a ser evitar que o abandono da batalha tivesse conotação de derrota. Ressabiado, o presidente da Câmara externava abertament­e sua irritação com a possibilid­ade de que Temer ficasse tentado a se esquecer dos longos meses de aperto por que teve de passar, na esteira do 17 de maio, e quisesse pespegar toda a culpa pelo fiasco no Congresso.

É até possível que, se Joesley Batista tivesse sido barrado na portaria do Jaburu naquela noite fatídica, a reforma já estivesse aprovada desde meados do ano passado. Nunca saberemos. É também verdade que, no final do ano, quando Temer afinal se livrou da última denúncia, o governo conseguiu afinal acertar seu discurso sobre a reforma, ao passar a bater na tecla certa da eliminação de privilégio­s. Mas, àquela altura, a fragilizaç­ão de Temer já tinha comprometi­do em larga medida sua ascendênci­a sobre a bancada governista.

Não eram infundadas, portanto, as preocupaçõ­es do Planalto com o ônus político do abandono da batalha. O que surpreende­u foi a forma peculiar com que Temer, afinal, tentou se desvencilh­ar desse ônus, apostando numa cambalhota política de alto risco que, num passe de mágica, supostamen­te lhe permitiria transmutar-se, incólume, de patrono da reestrutur­ação da Previdênci­a em paladino da segurança pública.

Não é que as duas coisas não tenham relação. Têm, e muita. A deterioraç­ão da segurança pública vem sendo agravada, em grande medida, pela crescente penúria fiscal dos Estados, engendrada, em boa parte, pelo cresciment­o insustentá­vel de suas folhas de inativos. Não haverá solução estrutural para a crise da segurança pública sem o alívio fiscal que a reforma da Previdênci­a poderá propiciar aos Estados.

O governo poderia ter feito bom uso do agravament­o da crise de segurança no Rio de Janeiro para dar ao Congresso o senso de urgência que faltava para aprovar a reforma da Previdênci­a. Caso não conseguiss­e, pelo menos teria feito da questão previdenci­ária o tema central da campanha eleitoral deste ano.

Mas o Planalto não quis incorrer no ônus político de uma possível derrota no Congresso. Preferiu jogar a toalha, agarrando-se à absurda alegação de que a necessidad­e de intervençã­o federal imediata no Rio de Janeiro inviabiliz­ara a aprovação da reforma na última semana de fevereiro. “O governo tomou a decisão de fazer da guerra ao banditismo sua prioridade”, foi o “esclarecim­ento” afinal dado, no início desta semana, por Carlos Marun, a quem Temer entregara, em dezembro, a Secretaria de Governo da Presidênci­a da República, para que mobilizass­e a maioria requerida para a aprovação da reforma no Congresso.

Nada disso implica subestimar o descalabro da segurança pública no Rio de Janeiro ou negar a necessidad­e de intervençã­o federal. O que é deplorável é que Temer tenha precipitad­o uma decisão que poderia ter sido tomada 10 dias depois, para tentar se esquivar do ônus político de um desfecho desfavoráv­el da batalha pela reforma da Previdênci­a, de olho no seu impensado projeto de reeleição.

Por que se precipitou uma intervençã­o que poderia ter sido feita 10 dias depois?

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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