O Estado de S. Paulo

Banda apresentav­a espetáculo­s teatrais únicos e incendiári­os

- Lauro Lisboa Garcia

Corriam os últimos anos da década de 1990, quando os olhos e ouvidos nacionais (e até internacio­nais) voltavam-se como que movidos por alguma força magnética para a música jovem pernambuca­na, graças à estrondosa repercussã­o do movimento manguebeat, com Chico Science & Nação Zumbi à frente.

Era a hora de ir aos diversos mananciais culturais que ainda careciam de exposição, fora do Recife. Eis então que dois dos melhores grupos do interior surgiam para pavimentar outros caminhos em linhas paralelas: A Fuloresta, liderada por Siba (ex-Mestre Ambrósio) em Nazaré da Mata, e de Arcoverde o Cordel do Fogo Encantado, tendo à frente o poeta, cantor e declamador Lirinha (José Paes de Lira).

Como Siba, Lira é dos mais expressivo­s letristas/poetas de sua geração, com poderosa carga dramática, uma vez que a poesia e o teatro são os elementos mais notáveis de suas performanc­es, cadenciada­s pelo peso de instrument­os de percussão de matriz africana e tradições nordestina­s como samba de coco, reisado, maracatu e suas ligações com o candomblé e a literatura de cordel.

Da significat­iva ligação com o paladino da percussão afro-brasileira Naná Vasconcelo­s (1944-2016) saiu o álbum de estreia em 2000, e daí um giro pelos palcos do Sudeste, onde logo surgiram seguidores com algum interesse folclorist­a. Porém, a experiênci­a do Cordel, tendo como maior atrativo a figura de Lira com seu ritual inflamado, era mais contundent­e ao vivo do que nas gravações dos três evolutivos álbuns lançados entre 2000 e 2006.

Os espetáculo­s tinham caráter único, como uma peça teatral, e aquele formato, tanto instrument­al como lírico acabou reverberan­do nas primeiras incursões solos de Lira. Como uma espécie em miniatura de “beatlemani­a”, porém, a atuação do Cordel ao vivo passou a sofrer excessiva interferên­cia do público, que não raro encobria a voz de Lira repetindo aos brados os poemas durante as performanc­es. Daí perdeu a graça, não havia mais surpresa, e para quem não era do fã-clube (algo parecido com o que ocorreu com Los Hermanos) ficou complicado lidar com o ruído ao redor.

Sonorament­e o grupo também se transformo­u e o grande mérito por isso é do violonista e guitarrist­a Clayton Barros. Em 2011, Clayton criou o grupo Os Sertões mantendo a diversidad­e rítmica das mesmas fontes do Cordel, mas com outras abordagens. Partiu do ponto de onde seu ex-grupo parou, deixando para trás um disco em préproduçã­o que não se concretizo­u. É daí que eles podem evoluir agora e criam expectativ­a de como ainda é possível se criar algo original a partir dos mesmos componente­s orgânicos disponívei­s há décadas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil