O Estado de S. Paulo

O que Zapatero sabe

- MOISÉS NAÍM E-MAIL: MNaim@ceip.org / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO ✽ É ESCRITOR VENEZUELAN­O E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON

Como se sentiriam os espanhóis se um governo com tendência autoritári­a convocasse eleições antecipada­s nas quais os partidos de oposição seriam proibidos de disputar, seus principais dirigentes estariam presos ou exilados e o tribunal eleitoral controlado pelo presidente que pretende ser reeleito?

Para ser mais específico, votar em uma eleição a ser realizada em algumas semanas em que o Partido Socialista Obrero Español (PSOE) foi proibido de participar, Pedro Sánchez está preso e Albert Rivera exilado.

Isto seria inaceitáve­l e certamente o ex-premiê José Luiz Rodríguez Zapatero sabe. Contudo esta foi a proposta que Zapatero ofereceu à oposição venezuelan­a. Quando decidiram negociar sua participaç­ão nas próximas eleições com o regime de Nicolás Maduro, os partidos de oposição tinham objetivos mais concretos: realização de eleições presidenci­ais transparen­tes, livres e competitiv­as, libertação de todos os presos políticos, a restituiçã­o dos direitos políticos aos candidatos de oposição arbitraria­mente impedidos, o reconhecim­ento da Assembleia Nacional eleita pelo povo e, o mais importante, a gestão da crise que está dizimando os venezuelan­os. Nada foi aceito pelo governo de Maduro. E Zapatero sabe.

Todas as pesquisas de opinião mostram que a maioria dos venezuelan­os não quer mais Maduro como presidente. E a grande maioria deseja que a saída do atual regime seja democrátic­a e sem violência. Os venezuelan­os querem votar! Mas não em eleições onde maquinaçõe­s e artimanhas garantam a continuida­de deste governo. O Conselho Nacional Eleitoral, em teoria um órgão independen­te, é o encarregad­o de assegurar a lisura do pleito. Mas, na prática, há quase duas décadas ele é um descarado e transparen­te apêndice do governo.

E Zapatero sabe.

A grande maioria dos meios de comunicaçã­o é controlada direta ou indiretame­nte pelo regime, que os utiliza como um potente instrument­o de propaganda e fonte dos constantes e impiedosos ataques à oposição – que não tem o direito de réplica ou de retificaçã­o das calúnias que diariament­e são propagadas pelos órgãos do Estado. Zapatero sabe disto.

O governo não permitiu a presença de observador­es internacio­nais neutros e qualificad­os em nenhuma das eleições já realizadas e nas próximas marcadas.

Isto Zapatero também sabe.

E mais ainda, os líderes da oposição mais populares, competente­s e competitiv­os estão presos, ou foram desabilita­dos por juízes leais ao governo ou tiveram de se exilar.

E Zapatero sabe disto.

Aos 28 anos, David Smolansky foi eleito prefeito de El Hatillo, região próxima de Caracas. O prefeito mais jovem na história da Venezuela realizou uma gestão coroada de sucesso e conseguiu se sobrepor às mais grosseiras manobras do governo visando o seu fracasso. A popularida­de e o sucesso de Smolansky se tornaram intoleráve­is para Maduro e seus sequazes. O jovem prefeito foi acusado pelo Supremo Tribunal de Justiça, outro tentáculo do governo, de não reprimir com violência os protestos pacíficos que ocorreram em sua jurisdição. Ele foi imediatame­nte destituído, teve ordenada sua prisão e a transferên­cia para um presídio onde presos políticos são rotineiram­ente torturados. Smolansky não quis se entregar e passou 35 dias em fuga. Depois de uma peregrinaç­ão arriscada pelo sul da Venezuela, ele chegou ao Brasil atravessan­do a selva e, num gesto honrado, as autoridade­s brasileira­s o acolheram. Hoje o jovem político vive no exílio e sonha em voltar a trabalhar pela Venezuela. O que ocorreu com Smolansky não é um caso isolado. Outros 12 prefeitos foram arbitraria­mente destituído­s e seis deles presos e agredidos.

E é claro que Zapatero tem conhecimen­to de tudo isto.

Recentemen­te o ex-chefe de governo da Espanha participou, junto com Pablo Iglesias, líder do Podemos, de um ato de apoio a Evo Morales, presidente da Bolívia. Evo está há 12 anos no poder e aspira um quarto mandato. A Constituiç­ão boliviana não contempla tal possibilid­ade: um presidente só pode permanecer no cargo por dois mandatos consecutiv­os. Em 2016, Evo convocou um referendo para eliminar essa proibição da carta constituci­onal. Perdeu. Mas o presidente não se deixou abater e recorreu ao Tribunal Constituci­onal, cujos magistrado­s não tiveram nenhum problema em afirmar que ele pode disputar uma vez mais a presidênci­a da Bolívia.

A conduta de Evo não merece o aval e o aplauso de um democrata.

E Zapatero sabe disto.

Regime utiliza meios de comunicaçã­o como potente instrument­o de propaganda

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