O enfraquecimento da inflação global
No início deste mês, uma onda de nervosismo espalhou-se pelos mercados financeiros ao redor do mundo, com quedas fortes das cotações das ações, significativo crescimento das incertezas (explosão dos índices de volatilidade) e aumento dos juros dos títulos do Tesouro norte-americano.
A situação já está mais calma nas bolsas de valores, mas o patamar dos juros no mercado de títulos públicos dos EUA elevou-se significativamente. A remuneração do papel com prazo de 10 anos (T-10) subiu de 2,4% ao ano (no final de 2017) para cerca de 2,9% ao ano, na última sexta-feira. É muito provável que o que está por trás deste movimento seja o temor de que a inflação americana suba além do previsto e ultrapasse a meta informal de 2% ao ano perseguida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). Se isso ocorresse, o Fed teria de acelerar a elevação do juro básico (Fed funds rate), o que tenderia a provocar instabilidades na economia mundial, especialmente em países mais vulneráveis, como é o caso do Brasil.
Dado isso, a questão-chave é: qual o risco de elevação significativa da inflação nos países desenvolvidos, principalmente nos EUA? A meu ver, é baixo, apesar da queda contínua da taxa de desemprego e do provável aumento do déficit orçamentário norte-americano, como consequência da recém-aprovada reforma tributária do governo Trump. Vejamos por quê.
De acordo com excelente estudo realizado pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), apesar de altas recentes, as expectativas de inflação para o longo prazo encontram-se muito bem ancoradas. O ponto central é que não há pressões salariais nos países desenvolvidos, a despeito da expressiva queda do desemprego. De acordo com os dados do BIS, nos últimos 20 anos, na indústria manufatureira dos paísesmembros do G-7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido), a produtividade do trabalho cresceu aproximadamente 30% mais do que os salários reais. Essa tendência não se restringe ao setor industrial, podendo ser observada, se bem que em menor escala, também no de serviços.
Em razão disso, um dos principais indicadores da tendência da inflação, qual seja, a variação nominal do custo unitário do trabalho (CUT – despesa com salário por unidade produzida), vem crescendo, no G-7, à média anual de apenas 1,2%, desde 2011, bem abaixo da meta de inflação de 2% adotada pela maior parte desses países.
Há evidências de que a perda do poder de barganha dos empregados, que tem dificultado a incorporação dos ganhos de produtividade aos salários, está ligada não só ao ciclo econômico de baixo crescimento, mas, principalmente, a fatores estruturais, portanto, de longa duração. Dentre eles, cabe destacar os seguintes.
O primeiro é o aumento espetacular da força de trabalho global observado desde a década de 90, em decorrência do fim da União Soviética e da abertura econômica da China e de outros países asiáticos. Com a maior integração dessas economias no comércio internacional, a oferta efetiva de mão de obra mais que dobrou, em menos de duas décadas. Recentemente, o crescimento do papel das chamadas cadeias globais de valor na produção e no comércio mundial intensificou ainda mais a concorrência no
A economia global vive hoje um excesso da oferta de mão de obra, principalmente não qualificada
mercado de trabalho.
O segundo é a expansão da automação e da robotização dos processos produtivos, inicialmente na indústria, mas que se espalha crescentemente para outros setores, dados os avanços na tecnologia de informação e da produção de softwares que aumentam velozmente a oferta de provedores remotos de serviços em escala global.
Em resumo, a economia global vive hoje um excesso da oferta de mão de obra, principalmente não qualificada, que restringe o crescimento dos salários, aumenta a concentração de renda e reduz consideravelmente o risco de elevação da inflação. Não é o fim da história, claro, porém é uma situação que pode perdurar ainda por vários anos.