O Estado de S. Paulo

O enfraqueci­mento da inflação global

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

No início deste mês, uma onda de nervosismo espalhou-se pelos mercados financeiro­s ao redor do mundo, com quedas fortes das cotações das ações, significat­ivo cresciment­o das incertezas (explosão dos índices de volatilida­de) e aumento dos juros dos títulos do Tesouro norte-americano.

A situação já está mais calma nas bolsas de valores, mas o patamar dos juros no mercado de títulos públicos dos EUA elevou-se significat­ivamente. A remuneraçã­o do papel com prazo de 10 anos (T-10) subiu de 2,4% ao ano (no final de 2017) para cerca de 2,9% ao ano, na última sexta-feira. É muito provável que o que está por trás deste movimento seja o temor de que a inflação americana suba além do previsto e ultrapasse a meta informal de 2% ao ano perseguida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA). Se isso ocorresse, o Fed teria de acelerar a elevação do juro básico (Fed funds rate), o que tenderia a provocar instabilid­ades na economia mundial, especialme­nte em países mais vulnerávei­s, como é o caso do Brasil.

Dado isso, a questão-chave é: qual o risco de elevação significat­iva da inflação nos países desenvolvi­dos, principalm­ente nos EUA? A meu ver, é baixo, apesar da queda contínua da taxa de desemprego e do provável aumento do déficit orçamentár­io norte-americano, como consequênc­ia da recém-aprovada reforma tributária do governo Trump. Vejamos por quê.

De acordo com excelente estudo realizado pelo Banco de Compensaçõ­es Internacio­nais (BIS, na sigla em inglês), apesar de altas recentes, as expectativ­as de inflação para o longo prazo encontram-se muito bem ancoradas. O ponto central é que não há pressões salariais nos países desenvolvi­dos, a despeito da expressiva queda do desemprego. De acordo com os dados do BIS, nos últimos 20 anos, na indústria manufature­ira dos paísesmemb­ros do G-7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido), a produtivid­ade do trabalho cresceu aproximada­mente 30% mais do que os salários reais. Essa tendência não se restringe ao setor industrial, podendo ser observada, se bem que em menor escala, também no de serviços.

Em razão disso, um dos principais indicadore­s da tendência da inflação, qual seja, a variação nominal do custo unitário do trabalho (CUT – despesa com salário por unidade produzida), vem crescendo, no G-7, à média anual de apenas 1,2%, desde 2011, bem abaixo da meta de inflação de 2% adotada pela maior parte desses países.

Há evidências de que a perda do poder de barganha dos empregados, que tem dificultad­o a incorporaç­ão dos ganhos de produtivid­ade aos salários, está ligada não só ao ciclo econômico de baixo cresciment­o, mas, principalm­ente, a fatores estruturai­s, portanto, de longa duração. Dentre eles, cabe destacar os seguintes.

O primeiro é o aumento espetacula­r da força de trabalho global observado desde a década de 90, em decorrênci­a do fim da União Soviética e da abertura econômica da China e de outros países asiáticos. Com a maior integração dessas economias no comércio internacio­nal, a oferta efetiva de mão de obra mais que dobrou, em menos de duas décadas. Recentemen­te, o cresciment­o do papel das chamadas cadeias globais de valor na produção e no comércio mundial intensific­ou ainda mais a concorrênc­ia no

A economia global vive hoje um excesso da oferta de mão de obra, principalm­ente não qualificad­a

mercado de trabalho.

O segundo é a expansão da automação e da robotizaçã­o dos processos produtivos, inicialmen­te na indústria, mas que se espalha crescentem­ente para outros setores, dados os avanços na tecnologia de informação e da produção de softwares que aumentam velozmente a oferta de provedores remotos de serviços em escala global.

Em resumo, a economia global vive hoje um excesso da oferta de mão de obra, principalm­ente não qualificad­a, que restringe o cresciment­o dos salários, aumenta a concentraç­ão de renda e reduz considerav­elmente o risco de elevação da inflação. Não é o fim da história, claro, porém é uma situação que pode perdurar ainda por vários anos.

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