O Estado de S. Paulo

‘Combate à corrupção exige uma nova equipe’

Empresas envolvidas em esquemas ilegais têm de mudar liderança para ‘virar a página’, afirma especialis­ta

- Fernando Scheller

Especialis­ta em temas de governança corporativ­a, o professor e presidente da escola de negócios IMD, o franco-canadense Jean-François Manzoni, afirma que as empresas envolvidas em grandes casos de corrupção – como os investigad­os no âmbito da Operação Lava Jato – só têm chance de “virar a página” e trilhar um novo caminho com uma mudança radical em suas lideranças.

Erradicar a corrupção corporativ­a, porém, passa por uma mudança de modelo mental dos executivos, segundo Manzoni – transforma­ção que pode ser ensinada pelas escolas de negócios. “A maioria das pessoas age de forma errada porque nosso cérebro tenta nos convencer de que estamos fazendo a coisa certa. Então, é preciso reconhecer armadilhas.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

É possível mudar a cultura de uma empresa sem mudar as pessoas no topo da organizaçã­o? Depende do aspecto da cultura corporativ­a que se quer mudar. Se a questão está ligada à integridad­e do negócio, a mudança vem com muita dificuldad­e. E não se pode fazer com pessoas que já estejam dentro da companhia, em nenhuma hipótese. Uma mudança ética exige uma grande transforma­ção. E a questão do comportame­nto ético é difícil, particular­mente em um país como o Brasil, onde a questão não está relacionad­a somente a temas internos da companhia, mas ao ambiente de negócios como um todo. Então, para fazer essa mudança, é necessário trazer pessoas de fora, com outra mentalidad­e, eliminando uma quantidade consideráv­el da antiga equipe.

No Brasil, grandes empresas como Petrobrás e Odebrecht tiveram a reputação afetada pela Operação Lava Jato? Como o sr. vê esse processo?

Em primeiro lugar, eu não quero dar uma lição sobre práticas corporativ­as. Tenho passaporte francês e, até pouco tempo atrás, as empresas francesas podiam deduzir do Imposto de Renda as propinas que pagaram em outros países. Isto dito, acho que a transforma­ção das práticas de negócios estão ocorrendo em todo o mundo. A corrupção é um câncer, e a melhor forma de convencer as pessoas que esse talvez não seja o melhor caminho é com práticas punitivas. Se as pessoas acharem que têm mais chance de serem punidas, vão ficar mais propensas a respeitar a lei. Acho que o que está acontecend­o em países como a China e o Brasil é saudável. É algo muito difícil de se fazer, especialme­nte quando a corrupção está inserida em diversas profissões e no sistema em si.

Existem exemplos positivos que mostram as vantagens do combate à corrupção?

Um exemplo fantástico é o de Cingapura, que desde sua criação tentou se basear em princípios éticos. Eles remuneram muito bem os funcionári­os públicos para evitar a corrupção. Quando eles são pegos, a família passa uma vergonha coletiva, é uma coisa terrível. E acho que esse senso de vergonha ajudou muito Cingapura, pois o país ganhou a fama de ser um local previsível e fácil de fazer negócios. O Brasil está trabalhand­o duro nessa missão. Imagino que seja um processo difícil, mas acho que será uma jornada positiva.

Quais são as consequênc­ias de um escândalo de corrupção para a equipe de uma empresa? Depende. Se todo mundo sabia das práticas de corrupção, não existe um impacto muito grande para o moral das pessoas que trabalham ali. Mas, na maioria das empresas, onde as pessoas geralmente pensam que estão fazendo seu trabalho de forma limpa, há um grande choque para o sistema, há uma sensação de que a equipe foi traída pela alta diretoria. Nesses casos, o impacto para a equipe é muito grande.

E como se ensina a questão de ética nos negócios nas escolas de negócios? Como isso afeta o conteúdo dos cursos?

Posso falar apenas pelo IMD, e não pelas escolas como um todo. E digo que levamos a questão ética muito a sério. Muita gente diz que existem áreas cinza como, por exemplo, a diferença entre propina e presentes para nutrir relações na Ásia. Isso é uma besteira, pois todo mundo sabe a diferença entre uma coisa e outra por lá. Mas nós também explicamos (aos alunos) que é difícil fazer a coisa certa. Não existem muitas pessoas que queiram transgredi­r voluntaria­mente. A maioria age de forma errada porque nosso cérebro sempre tenta nos convencer de que estamos fazendo a coisa certa, queremos manter uma autoimagem positiva. Então, é preciso reconhecer as armadilhas. Todo mundo pensa, por exemplo, que não tem preconceit­os, que não discrimina ninguém – quando na verdade as coisas não são bem assim.

Além disso, a pressão para pequenos deslizes muitas vezes é uma questão corriqueir­a.

É preciso que as pessoas usem desculpas para justificar comportame­ntos, como “todo mundo faz isso” ou “é uma coisa pequena” ou “eles me forçaram a fazer isso”. É preciso notar quando a gente começa a se justificar dessa forma.

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PASCAL HAGE/IMD Mudanças. Para Manzoni, Brasil está em ‘jornada positiva’

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