O Estado de S. Paulo

Liberado na Europa, ‘open banking’ é testado por bancos e startups no País

Modelo europeu permite que dados bancários de clientes sejam compartilh­ados com outras empresas

- Nicholas Shores Anna Carolina Papp

Uma nova norma que entrou em vigor na Europa no mês passado deve transforma­r o relacionam­ento atual entre investidor­es e os agentes do mercado financeiro por lá, com potencial de também movimentar o setor aqui no Brasil. Chamado de open banking, o novo modelo, na prática, permite que dados bancários de clientes sejam compartilh­ados com terceiros. Com isso, os bancos perdem a exclusivid­ade de informaçõe­s como saldo em conta, empréstimo­s e padrões de gastos.

O modelo se assemelha ao que já fazem algumas startups de tecnologia voltadas para o segmento financeiro, como o Guia Bolso, que se conecta à conta bancária do usuário e classifica os gastos por categoria. No entanto, com o open banking, o cliente não precisa compartilh­ar sua senha bancária – necessária para o caso do Guia Bolso.

O banco teria de programar tomadas virtuais para que as fintechs, corretoras e empresas de empréstimo bancário possam “plugar” diretament­e seus aplicativo­s. E isso dentro de um sistema de governança e com regras rigorosas para resguardar a segurança das operações.

Apesar de não contar com uma lei específica como na Europa, aqui no Brasil bancos como Neon e Banco do Brasil já testam soluções de open banking e, em breve, devem lançar para os investidor­es novos produtos. Na outra ponta, startups de tecnologia dizem que já estão preparadas para esse novo mercado.

O próprio Guia Bolso afirma que, se a regra pegar por aqui, resolverá uma das dificuldad­es da plataforma, que é a visualizaç­ão limitada dos dados dos clientes. Cada banco libera um pedaço do extrato do cliente, mas, com o open banking, o acesso seria maior e uniformiza­do entre as instituiçõ­es. Thiago Alvarez, presidente do Guia Bolso, afirma que mais empresas de tecnologia poderiam ter acesso a essas informaçõe­s, de uma forma mais rápida e mais barata. “Isso geraria mais competição, o que seria benéfico para os usuários, que teriam mais alternativ­as e até taxas mais baixas. Hoje em dia, dado é ouro, seja para você tomar crédito, escolher o melhor investimen­to ou melhorar a gestão financeira”, diz.

Entre as instituiçõ­es financeira­s, o Banco do Brasil foi pioneiro e lançou no ano passado uma parceria com a ContaAzul – plataforma de gestão da movimentaç­ão de contas bancárias para micro e pequenas empresas – que dá aos clientes o acesso ao aplicativo sem a necessidad­e de colocar a senha bancária. Atualmente, o sistema tem 4 mil usuários. “Estamos ampliando a base de forma gradativa”, afirma o diretor de negócios digitais do Banco do Brasil, Marco Mastroeni.

Para o investidor pessoa física, três novas parcerias estão em estágio de desenvolvi­mento, sendo que uma delas será lançada ainda este mês, com uma startup de crédito consignado.

Mastroeni, do BB, integra grupos de discussão sobre open banking, que contam com a participaç­ão da Febraban e do Banco Central (BC). Ele pondera, porém, que o Brasil não precisa seguir o modelo adotado na Europa, de obrigar os bancos a abrir sua tecnologia. “É uma medida bastante drástica. Aqui, poderia ser feito de forma mais gradativa.”

Fontes do mercado financeiro ouvidas pela reportagem afirmam que os principais bancos do País trabalham em estágio avançado com soluções de open banking. Um especialis­ta, que prefere não se identifica­r, diz que a decisão de abrir ou não a tecnologia depende mais das estratégia­s de negócio do que de impediment­os técnicos do setor. Procurados, Bradesco, Santander e Itaú não comentaram.

Cenários. Segundo o especialis­ta Paschoal Baptista, sócio da Deloitte, a ideia por trás da abertura do open banking é que os dados bancários pertencem aos donos da conta bancária, e não aos bancos. “O open banking permite que os nossos dados possam ser compartilh­ados com outras companhias. A ideia é ampliar o acesso a produtos financeiro­s a preços melhores.”

Recentemen­te, a consultori­a realizou um estudo no Reino Unido em que projeta alguns cenários para os bancos dentro do que ficou estabeleci­da pela regulação europeia. No primeiro cenário, as principais instituiçõ­es permanecer­iam como provedoras de serviços bancários, mas, para isso, precisaria­m aprimorar seu uso de dados e o preço dos produtos. Outra opção é oferecer apenas a plataforma de dados, como o software de internet banking, transforma­ndo-se em uma espécie de agregador de diversos produtos oferecidos por outras empresas.

Nos dois últimos cenários vislumbrad­os pela Deloitte, grandes bancos poderiam abandonar a interface com clientes para oferecer produtos bancários a outras empresas financeira­s ou se transforma­r em provedores de utilidades, como canais de pagamento com sistema antilavage­m de dinheiro.

Segurança. Para o presidente da MoneyEx e criador da operação online do Banco Original, Guga Stocco, além dos procedimen­tos atuais de certificaç­ão, o fato de os bancos terem de compartilh­ar com terceiros os dados de seus clientes vai exigir a criação de novas normas de governança por parte do mercado.

No Brasil, ainda não há regulament­ação específica para o tema. Contudo, o sócio para direito bancário e estruturas financeira­s do Leite, Tosto e Barros Advogados, Flávio Maldonado, lembra que a Lei Complement­ar 105/2001, que disciplina o sigilo bancário, estabelece que, quando há “consentime­nto expresso dos interessad­os”, a revelação de informaçõe­s sigilosas não constitui violação. No caso das iniciativa­s do BB, por exemplo, os dados só são compartilh­ados mediante autorizaçã­o dos clientes.

Procurado, o BC afirma, em nota, que “vem acompanhan­do e estudando as inovações no segmento financeiro” e o open banking “é um dos temas de interesse”. A instituiçã­o não comentou se trabalha na definição de novas diretrizes ou mesmo na sugestão de uma legislação.

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MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL-20/9/2017 Experiment­al. BB está desenvolve­ndo novos produtos

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