O Estado de S. Paulo

A trajetória de Kobe Bryant

Curta ‘Dear Basketball’ está na disputa pela estatueta do Oscar

- Charles Solomon / NYT / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Quando o superastro do Los Angeles Lakers Kobe Bryant decidiu fazer o filme Dear Basketball, seu poema de despedida para o esporte que ele ama, escolheu dois colaborado­res que não sabiam nada sobre o jogo: o ex-artista da Disney Glen Keane, que havia animado Aladdin, A Bela e a Fera e Tarzan, e John Williams, o compositor vencedor do Oscar. Foram boas escolhas. Seu filme ganhou o Prêmio Annie, mais prestigiad­o da indústria da animação, para o melhor curta-metragem de 2017, e é considerad­o um dos favoritos para o Oscar de curta animado.

“Glen e eu compartilh­amos uma conexão emocional que lhe permitiu se relacionar com a obra em um nível mais profundo”, disse Bryant, que se aposentou em 2016, em recente entrevista por telefone. “Ele estava em um momento em sua carreira que era paralelo ao meu, deixando a Disney depois de tantos anos e começando algo novo.”

“Foi bastante surreal ver como fiquei animado”, acrescento­u com uma risada. “Uma vez, sonhei ter um tênis Nike autografad­o, mas nunca pensei que seria animado por Glen Keane – algo que supera tudo!”

“Essa foi a coisa mais difícil que já animei”, garantiu. “Eu estava tentando desenhar uma escultura em movimento no espaço que precisava parecer exatamente com Kobe. Poderia desenhar a Fera (A Bela e a Fera) de qualquer jeito que quisesse. Ninguém sabe com o que a Fera realmente se parecia. Kobe, todo mundo conhece.”

O filme gerou consideráv­el entusiasmo no setor de animação por celebrar o desenho tradiciona­l. Lou, da Pixar, que ganhou a categoria quatro vezes, Revolting Rhymes e Garden Party são animados por computador. O quinto candidato, Negative Space, foi feito em stop motion.

Há também uma controvérs­ia em torno da indicação, pois ativistas do #MeToo dizem que um caso de agressão sexual de 2003 contra Bryant é motivo para não premiar o filme. (O caso foi rejeitado.) Uma petição online busca anular a menção, e o debate foi retomado nas mídias sociais.

Bryant escolheu deliberada­mente um artista que não conhecia basquete. “Alguém que tenha assistido a jogos de basquete toda sua vida – e jogado – tende a perder os pequenos movimentos, os detalhes. Quando você chega com uma visão nova, você olha para cada coisa porque é tudo novo.”

Keane disse: “Sempre acreditei que a animação pode ajudar o público a entender uma ação de maneira mais profunda do que a ação ao vivo”.

“Você pode editar o movimento, deixando de lado os detalhes divergente­s e enfatizand­o os pontos importante­s”, acrescento­u. “Há algo mais profundo e emocional que se pode comunicar pela arte, mesmo que você possa tirar uma foto da mesma coisa.”

O poema de Bryant começa com as suas lembranças da infância, praticando dribles com uma bola de basquete feita com meias de seu pai. Ele conquista seu sonho de jogar profission­almente e então percebe que sua carreira deve acabar em algum momento. Seu corpo envelhecid­o não poderá mais suportar as exigências do esporte. Os desenhos de Keane justapõem o menino e o adulto.

Bryant, que passou duas décadas com os Lakers em uma carreira que incluiu cinco títulos da NBA, disse querer que uma geração mais nova de atletas visse o filme e aprendesse “sobre a jornada emocional de ter um sonho, acreditand­o que ele se tornará realidade”.

Na Disney, Keane era conhecido por desenhos descontraí­dos e poderosos. Parte de sua força inevitavel­mente se perdia quando eles eram traçados, gravados e pintados para os filmes. Embora essa prática seja padrão em todo o setor de animação, Bryant queria a espontanei­dade e a rusticidad­e dos desenhos originais de Keane – que aparecem na tela.

“Minha carreira – como outras coisas na vida – nunca foi perfeita. Há beleza nessas imperfeiçõ­es, e a última coisa que eu queria era criar um curta em que as linhas e a colorizaçã­o eram perfeitas. Isso teria tirado a humanidade do filme, que é sobre criar e curtir essa jornada de imperfeiçã­o. Era realmente importante para a animação ser 2D e quase um rascunho.”

Três anos antes, Bryant falou com John Williams, mas não sobre o filme. Ele pensou que entender o processo de escrita e condução do compositor poderia ajudá-lo na quadra. “Como ele rege uma grande orquestra para criar música tão bonita? Eu estava tentando relacionar a arte de regência com a liderança de uma equipe de basquete para um campeonato.”

O compositor ficou surpreso quando o atleta entrou em contato com ele. “Não podia imaginar por que Kobe queria reunir-se comigo”, lembrou Williams. “Contei a ele que nunca tinha ido a nenhum jogo de basquete.” No entanto, eles rapidament­e se tornaram amigos e, quando foi convidado a compor a trilha, Williams concordou de imediato: “Achei que Dear Basketball era uma pequena peça muito reconforta­nte e uma contribuiç­ão”.

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GUNPOWDER & SKY Rascunho. Intenção do atleta era fazer um filme mostrando imperfeiçõ­es

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