O Estado de S. Paulo

China censura internet sobre mudanças

Autocracia. Após o surpreende­nte anúncio de domingo, de que o Partido Comunista Chinês acabará com o limite de mandatos presidenci­ais, autoridade­s em Pequim tentam bloquear na web qualquer termo que possa soar como condenação à iniciativa

- PEQUIM

Um dia após a China anunciar o fim do limite de mandatos de presidente, censores bloquearam comentário­s na internet sobre a mudança constituci­onal. A alteração legal abre caminho para o líder Xi Jinping permanecer no poder.

Um dia após o Partido Comunista da China ter anunciado o fim do limite de mandatos para presidente do país, os censores de Pequim entraram em ação: bloquearam nas redes sociais chinesas qualquer comentário sobre a futura modificaçã­o constituci­onal, que abrirá caminho para Xi Jinping perpetuar-se no cargo.

A censura chinesa também impediu o acesso às cerca de 3 mil postagens feitas sobre o assunto logo após a informação ter sido tornada pública. Além de censurar as redes sociais, o governo chinês bloqueou na internet artigos críticos de veículos internacio­nais e realizou postagens elogiosas ao partido.

A rede social Weibo, similar a um Twitter chinês, viu ressurgir um velho conhecido: o Ursinho Puff (Winnie-the-Pooh), personagem da Disney usado em memes de conteúdo político para se referir a Xi há quase cinco anos. Desta vez, para criticar a manobra que garantirá ao presidente chinês manter-se no poder indefinida­mente, o ursinho foi retratado abraçandos­e a um pote de mel, juntamente com a frase: “Encontre aquilo que ama e agarre-se a isso”.

A brincadeir­a começou em junho de 2013, quando Xi e o expresiden­te americano Barack Obama foram caracteriz­ados como os personagen­s Puff e Tigrão, após um encontro que os líderes tiveram na Califórnia, em um post que colocava a imagem dos líderes e dos cartuns lado a lado. A postagem viralizou. Naquela oportunida­de – e em todas as outras que se seguiram desde então –, os censores chineses não deixaram de agir.

‘Retrocesso’. Outros comentário­s online a respeito do fim do limite de mandatos para presidente da China diziam: “Atenção, o veículo está fazendo a volta”, que imita um aviso automatiza­do utilizado em carros chineses que fazem entregas, sugerindo que a China está voltando

aos tempos de Mao Tsé-tung ou para a era dos imperadore­s.

“Eca, estamos nos tornando a Coreia do Norte”, escreveu um usuário do Weibo. “Estamos seguindo o exemplo de nosso vizinho (Pyongyang)”, postou um outro.

Em Hong Kong, que experiment­a maior liberdade de expressão e de imprensa do que o restante da China, mais críticas à mudança constituci­onal no país vieram à tona. No Twitter, Joshua Wong, um dos líderes da “Revolução dos Guarda-Chuvas”, os protestos anti-Pequim ocorridos no enclave em 2014, se referiu a Xi como “imperador”, afirmando que a medida “significa que a China voltará a ter um ditador como chefe de Estado”.

Reação. O governo chinês não se calou diante das acusações. O jornal Global Times, ligado ao partido, afirmou que a mudança constituci­onal não significa necessaria­mente uma perpetuaçã­o de líderes no assento presidenci­al. “Desde a reforma e a abertura, a China, liderada pelo Partido Comunista, tem resolvido de maneira bem-sucedida e continuará resolvendo com eficácia a questão da substituiç­ão da liderança nacional e partidária de uma maneira ordenada e de acordo com a lei.”

O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, Lu Kang, afirmou que a medida “é assunto do povo chinês”. “Espero que todos consigam respeitar a voz de todo o povo chinês.”

“O povo ama o líder do povo”, afirmava ontem um comentário publicado no site da emissora estatal China Central Television (CCTV). Analistas estimam que, após a ratificaçã­o da mudança, na Assembleia Nacional Popular, que começa no dia 5, haverá ainda menos tolerância a críticas por parte de Pequim. “O regime será ainda mais severo em todos os tipos de repressão”, afirmou Joseph Cheng, que deu aulas na City University, de Hong Kong.

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JASON LEE/REUTERS–25/10/2017 Sem limite. Xi poderá ficar no cargo após 2º mandato

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