O Estado de S. Paulo

Intervençã­o: uma advertênci­a

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Se a disposição é combater o crime, é preciso ir além do discurso propagandí­stico.

Ao decretar a intervençã­o federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer afirmou que o governo irá “enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas”, e assim “restaurar a tranquilid­ade do povo”. O anúncio encontrou imediata ressonânci­a em significat­iva parcela da população, cansada de tanta violência. Realizar essa promessa exigirá, no entanto, um poder público mais eficiente. Os resultados obtidos até agora na área de segurança pública não proporcion­am boas expectativ­as.

Até o anúncio da intervençã­o no Rio de Janeiro, a principal medida do governo de Michel Temer na área foi o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), anunciado em janeiro de 2017. Recente reportagem do Estado mostrou que o plano não saiu do papel. Em um ano, apenas uma das dez principais metas foi cumprida. Segundo o governo, foram elaboradas estatístic­as para medir a eficácia da atividade de polícia judiciária. O restante das metas, como, por exemplo, a redução de 15% até o final de 2018 na lotação dos presídios, está longe de se tornar realidade. Algumas propostas do PNSP foram simplesmen­te abandonada­s ou reformulad­as.

De acordo com o governo, o decreto da intervençã­o federal no Rio foi uma resposta à violência observada durante o carnaval carioca. O PNSP também foi uma reação do governo a uma crise na segurança pública. No início do ano passado, ocorreram massacres em presídios da Região Norte, gerando especial comoção na opinião pública. Ato contínuo à notícia das chacinas, o então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciou um ambicioso plano federal para a segurança, contendo três objetivos: redução de homicídios dolosos, modernizaç­ão do sistema penitenciá­rio e combate integrado à criminalid­ade organizada transnacio­nal.

O PNSP previa várias ações, apoiadas sobre o tripé da integração, cooperação e colaboraçã­o. Apesar do discurso grandiloqu­ente, pouco foi realizado. Por exemplo, uma das ações anunciadas era a implementa­ção de “Núcleos de Inteligênc­ia Policial” em todos os Estados, com participaç­ão conjunta dos setores de inteligênc­ia das Polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil e Militar, Ministério Público e do sistema penitenciá­rio. Nenhum núcleo foi implantado. Segundo o governo, cinco núcleos estão em fase de estruturaç­ão.

Ao tentar pôr em andamento o PNSP no ano passado, o governo estava mais que ciente das dificuldad­es da segurança no Rio de Janeiro. Em junho, o presidente Michel Temer disse que a implantaçã­o do plano começaria por aquele Estado. “Vamos começar um experiment­o, uma série de ações, nada pirotécnic­o, muito planejado, para fazer operações no Rio de Janeiro”, afirmou.

Como depois se viu, o cuidado do governo federal com o Rio de Janeiro não gerou os resultados esperados e o Palácio do Planalto decidiu decretar a intervençã­o federal. Assistese agora, mais uma vez, a uma renovação das disposiçõe­s de combate ao crime e das promessas de paz. O que fica, no entanto, cada vez mais evidente é a distância entre o discurso e a complexa realidade da segurança pública.

Ações pirotécnic­as não solucionam os problemas da violência, como reconheceu o presidente Michel Temer. São necessária­s políticas públicas realistas, que, mais do que expressare­m boas intenções, estejam solidament­e alicerçada­s em soluções factíveis. Por exemplo, é um consenso que a guerra contra o crime não se faz sem o firme combate contra a corrupção na polícia. No entanto, a realização desse objetivo supera longamente o prazo de dez meses da intervençã­o federal.

Mais do que alimentar dúvidas sobre a eficácia da intervençã­o federal – elas já são abundantes –, a experiênci­a fracassada do Plano Nacional de Segurança Pública deve ser um poderoso alerta para o governo federal. Se a disposição é combater o crime e devolver tranquilid­ade à população, é preciso ir muito além do discurso propagandí­stico e trabalhar seriamente, interrompe­ndo o quanto antes a perigosa tendência que se observa na trajetória do PNSP.

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