O Estado de S. Paulo

A cidade murada e a cidade-selva

- FERNÃO LARA MESQUITA JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Obanho de sangue do Rio de Janeiro é a ponta mais infecciona­da da doença brasileira. É tudo uma cadeia de distorções de uma evidência ululante para usarmos a expressão de um carioca célebre. Esses 60 mil mortos nas ruas são o retrato mais enfático do custo de não se fazer reformas como a da Previdênci­a que remete à resiliênci­a do marajalato e seus “auxílios” imexíveis, que repousa na intocabili­dade constituci­onalmente garantida do funcionali­smo que, por sua vez, está na base não só da corrupção que nos assola mas também do inchaço para além do suportável, não do estado, mas das folhas de pagamentos do estado.

É dessa cadeia que decorre a desenfread­a metástase do favelão nacional.

A polícia do Rio, meca do marajalato, tem mais caciques do que índios. Ha 15 mil sargentos e apenas 14 mil soldados. Sobram coronéis mas a grande maioria está aposentada (aos 50 anos ou antes). Faltam capitães e tenentes e os que há são os reis do absenteísm­o. A maioria das operações acaba sendo comandada por sargentos. Em 2014 o efetivo total da PM carioca era de 43.538 homens. Entre cedidos para outros orgãos e afastados por razões diversas sobravam 26.247 “aptos para o trabalho”. Mas com os turnos de 24 horas de trabalho por 72 de descanso, estes ficavam reduzidos a 6.560 por dia.

Resumo, o Rio paga por 43.538 policiais mas só “leva”, de fato, 6.560. Com ligeiras variações esse é o padrão do serviço público nacional. As manobras de sabotagem todas a que o país tem assistido não são manobras de sabotagem à pessoa de Michel Temer, são manobras de sabotagem à reforma da previdênci­a que é o fulcro dessa enorme distorção. Ninguém esta nem ai para o que Temer embolsou ou deixou de embolsar em campanhas políticas ou trocas de favores com potenciais financiado­res de campanhas no passado. O que seus possíveis substituto­s pretendem, ao vender ao eleitorado o passadésim­o “peixe” de que tudo vai bem menos pelas pessoas que controlam hoje “o sistema”, é continuar embolsando no futuro o que acusam Temer de ter embolsado no passado, coisa que estarão livres para fazer posto que não se propôs ou discutiu uma única reforma deba separa impedira continuaçã­o da impunida depara esse ti pode prática que–éa História Universal quem comprova – só cessa se e quando os eleitores conquistam poder de polícia contra detentores de mandatos executivos, legislativ­os e judiciário­s DEPOIS de eleitos. O que se visava e se conseguiu comas urdiduras do procurador Janote seu fiel escudeiro Marcelo Miller, agora está cabalmente provado apesar da reticência com que se exibe essas provas em certas estações de televisão, não foi fazer justiça tardia contra Michel Temer, foi manter os “direitos adquiridos” dos marajás de continuar eternament­e recebendo salários padrão Wall Street sem fazer força e deitando e rolando sobre as costas da miséria nacional impunement­e. E isso se torna mais evidente a cada minuto com a batalha surda para evitar que chegue a bom termo a intervençã­o federal na segurança publica do Rio.

As tentativas de cerco não se vexam de mostrar a que vêm. A ultima é a exigência de que os novos chefes das polícias civil e militar a serem substituíd­as pela intervençã­o na polícia mais ostensivam­ente corrupta do país tenham obrigatori­amente de ser arregiment­ados dentro das próprias corporaçõe­s apodrecida­s que se pretende sanear...

Antes e depois desta intervençã­o, aliás, não muda um milímetro o circuito dessas voltas em torno do nada. As tais 10 medidas contra a corrupção em torno das quais se fez tanto barulho tratavam essencialm­ente de dar mais poder a quem, de livre e espontânea vontade, nunca exerceu o poder que já tinha contra a corrupção. E também de aumentar as penas de crimes para os quais jamais se aplicou as penas que já existiam. Agora grita-se contra “tirar autoridade de governante­s eleitos democratic­amente” como jamais se gritou quando o STF faz a mesma coisa, o que acontece quase semanalmen­te, ou nas outras 12 vezes, nos últimos 10 anos, em que interessou ao marajalato chamar o Exército Brasileiro para patrulhar o Rio “pra inglês ver”. Por cima de tudo derramase agora a exigência de juristas e “especialis­tas” carimbados contra mandados coletivos de cerco e inspeção de residência­s que têm o óbvio objetivo de cortar a fuga a assassinos armados até os dentes sob a insinuação de que isso sublinhari­a o “preconceit­o” que põe todo favelado “sob suspeita” só porque é pobre. Nunca se viu, vai sem dizer, o tipo de fariseu que afirma isso sem corar por cima da cena da criança, da mulher grávida ou do soldado massacrado­s do dia, exigir que não se reviste quem quer que pretenda embarcar num avião nos dias de hoje porque isso viola o direito do passageiro de não ser objeto de suspeitas “infundadas” ou caracteriz­a preconceit­o contra “ricos” que usam esse meio de transporte. E, por fim, nega-se aos soldados até o direito de se defender contra o terrorista que eventualme­nte levar sua bomba pendurada no pescoço, o equivalent­e do traficante que sai à rua brandindo seu armamento de guerra. Querem os soldados do EB acenando de longe a tais figuras insuspeita­s com mandados judiciais...

E o Pezão, “combinou” ou não com Temer essa intervençã­o “feita para inflar o cacife eleitoral do PMDB”? Vai que a pilha de cadáveres diminui...

Não é nada fora do padrão que nessas vésperas de final de era sociedades doentes apresentem fraturas de alienação. A Corte de Versalhes, a Cidade Proibida dos imperadore­s chineses, tudo faz lembrar Brasília oferecendo seus “brioches” formalista­s ao Brasil. A cidade murada ditando finas regras de etiqueta à cidadeselv­a que se afoga em sangue.

Nossa doença é política, nunca é demais repetir, e só poderá ser curada com os remédios da política. Sem uma intervençã­o geral do Brasil real no Brasil oficial; sem uma intervençã­o do povo na política com as armas do recall, do referendo e da iniciativa, acabaremos todos mortos antes que qualquer coisa que faça diferença mude, e não necessaria­mente de velhice.

A Corte de Versalhes faz lembrar Brasília oferecendo ‘brioches’ formalista­s ao Brasil

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