O Estado de S. Paulo

‘Líder corre o risco de provocar lutas de poder no partido’

Para especialis­ta, Xi poderia causar um racha no Partido Comunista da China, na forma de rebelião da elite ou golpe

- Cláudia Trevisan CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

A decisão de Xi Jinping de mudar a Constituiç­ão para permanecer no comando da China por tempo indetermin­ado poderá provocar lutas de poder no Partido Comunista e levar à esclerose de sua liderança, diz Susan Shirk, diretora do 21st Century China Center da Universida­de da Califórnia em San Diego e autora do livro China: Fragile Superpower (China: Superpotên­cia Frágil). A mudança põe fim à inovação institucio­nal que deu estabilida­de à China nas últimas três décadas, ao criar um mecanismo de liderança coletiva e alternânci­a no poder, observou. “Não importa quanto poder Xi tenha, ele sempre terá medo de que outros políticos estejam conspirand­o contra ele.” A seguir, trechos da entrevista:

Quais são as implicaçõe­s do anúncio de que não haverá mais limite de tempo para a permanênci­a de Xi Jinping no poder?

O mais importante é que a inovação institucio­nal de sucessões regulares e pacíficas de líderes foi eliminada. A China foi o primeiro país comunista a adotar a prática. Era uma fonte de estabilida­de para os governos comunistas, pois reduzia o risco de lutas pelo poder e a esclerose de líderes.

Essa instituiçã­o também permitia a renovação de lideranças? Claro. Ter transferên­cias regulares de poder abre oportunida­des para outros políticos e é uma forma de compartilh­ar o poder. Ao abandonar isso, Xi causa grande ansiedade em outros políticos, que agora veem que o líder não respeita suas carreiras e interesses. Depois da morte de Mao (Tsé-tung), Deng Xiaoping disse que os problemas de sua era, como o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural, eram o resultado do excesso de concentraç­ão de poder e não do caráter pessoal de Mao. Por isso, era necessário instituir um sistema coletivo de liderança, com limites para mandatos e idade para aposentado­ria. Todas essas instituiçõ­es estão sendo abolidas por Xi. Foi uma conquista rara o Partido Comunista governar sobre uma sociedade tão diferente da que existia na URSS ou durante o período de Mao. A fonte dessa resiliênci­a autoritári­a era essa institucio­nalização da liderança coletiva, em particular a transição regular e pacífica de poder.

Qual o risco para Xi e o partido? O maior risco é que, ao monopoliza­r o poder, Xi venha a causar um racha na liderança do partido, na forma de rebelião das elites ou golpe. É difícil organizar esse tipo de resistênci­a, mas ele comunicou de maneira tão clara sua intenção de liderar até o fim da vida que se colocou em uma posição de risco. Claro que isso criaria séria instabilid­ade na China. Deng alertou para outro risco, que são decisões arbitrária­s e erros nas políticas públicas. Xi está cercado de pessoas que só dizem ‘sim’ e é difícil para ele ter conselhos francos ou informação precisa sobre a situação do país.

Ele é o mais poderoso desde Mao? Mais do que Deng? Sim. Deng compartilh­ou poder com outros líderes da Longa Marcha. Mesmo Mao teve de compartilh­ar poder sobre o Exército com outros generais. Agora, não há ninguém no mesmo patamar que

Xi.

A China de hoje é mais ou menos frágil do que quando a sra. escreveu seu livro em 2008? Mais. A sociedade continua a mudar e se modernizar, há uma grande classe média urbana educada, as pessoas tiram férias no exterior e mandam seus filhos para o exterior. Ao mesmo tempo, temos um Partido Comunista e uma liderança que está retornando a uma ditadura leninista obsoleta. Não importa quanto poder Xi Jinping tenha, ele sempre terá medo de que outros políticos estejam conspirand­o contra ele. Estabiliza­r a política das elites será mais difícil agora do que quando escrevi meu livro. E impedir protesto social também é mais difícil, pois a sociedade continuou a se modernizar e a abordagem adotada é a de um Estado policial repressivo. Nenhuma dessas coisas cria estabilida­de no longo prazo.

Haverá mais repressão?

Não importa quanto poder tenha, Xi vai se sentir inseguro e verá qualquer afrouxamen­to como uma ameaça. E não há pesos e contrapeso­s para suas políticas repressiva­s. Ele controla o aparato policial repressor e não há nenhum sinal de relaxament­o na trajetória de aumento da repressão.

Qual pode ser o impacto sobre a relação entre China e EUA? Isso deverá aumentar as preocupaçõ­es nos Estados Unidos e fazer com que a China pareça mais ameaçadora.

Qual é a diferença entre Xi e Kim Jong-un ou Mao ou Stalin? Não é tão ruim quanto esses outros ditadores, mas sua decisão evidencia a diferença de valores entre nossos países.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil