O Estado de S. Paulo

Aposentado­ria aos 55? No Brasil, tem

Governo desistiu da reforma que iria aumentar a idade mínima para as pessoas se aposentare­m, mas País terá de enfrentar o problema

- Shasta Darlington THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Em quase todo o mundo, trabalhado­res têm dificuldad­e até em imaginar o que é aposentars­e aos 55 anos e continuar ganhando 70% do último salário até o fim da vida. No Brasil, porém, essa tem sido a norma há décadas, o que ajuda a explicar o grande número de cabeças grisalhas que corriam na Praia de Copacabana às 11 horas de um dia de semana recente.

O sistema também responde por um terço dos gastos governamen­tais brasileiro­s e contribuiu para o déficit orçamentár­io recorde de 2016.

Analistas e políticos de todas as tendências há muito admitem que esse modelo de aposentado­ria, além de insustentá­vel, é um dos principais fatores dos incessante­s problemas econômicos do país.

“O Brasil tem um dos mais generosos sistemas previdenci­ários do mundo”, disse Chris Garman, diretor-gerente do Eurasia Group, uma consultori­a de risco político, “e sem uma revisão das pensões caminha para a insolvênci­a e para uma crise de dívida”.

Um estridente sinal de alerta foi ouvido no mês passado quando a Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do Brasil, a maior economia da América Latina, colocando-a ainda mais baixo no chamado “território junk”, ou seja, abaixo do grau de investimen­to. O rebaixamen­to ocorreu em meio a difusas esperanças de que o Congresso brasileiro iria reformar o sistema previdenci­ário neste ano eleitoral.

A agência de classifica­ção estava certa. O presidente Michel Temer e o Congresso desistiram oficialmen­te de tentar passar a lei de aposentado­ria – empurrando o problema para depois da eleição de outubro.

Na sexta-feira, a Fitch Ratings acompanhou a S&P e também rebaixou a nota de crédito brasileira. Temer anunciou a reforma previdenci­ária como uma de suas principais bandeiras ao assumir o governo, depois do impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Mas, sua presidênci­a, em lugar de impulsiona­r o que Temer chamou de agenda pró-negócios, tem sido marcada por turbulênci­as e escândalos.

O governo Temer trabalhou com o Congresso por uma revisão da legislação previdenci­ária tanto para o setor público quanto para o privado. Entre outras mudanças, a proposta estabeleci­a idade mínima para aposentado­ria de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Hoje, não há idade mínima.

Temer tentou conquistar apoio para a proposta com um simples e sombrio alerta veiculado nos sites do governo e na mídia social advertindo: “Todos com a reforma da Previdênci­a para que o Brasil não vá à falência”. Mas, a pesar da declarada determinaç­ão do presidente, uma decisão que ele tomou neste mês bloqueou efetivamen­te qualquer nova tentativa de aprovar a reforma.

Temer assinou decreto que põe as Forças Armadas a cargo da segurança pública no Rio para conter a violência criminosa – e, pela Constituiç­ão, o Parlamento não pode fazer mudanças constituci­onais abrangente­s durante intervençõ­es militares.

Temer inicialmen­te insistiu em que a revisão previdenci­ária poderia ser feita com a suspensão temporária da intervençã­o. Entretanto, o alerta pessimista sobre a falência do País desaparece­u dos sites do governo na semana passada e tanto o presidente do Senado, Eunício Oliveira, quanto o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marum, têm dito desde então que o decreto foi engavetado.

“Após consultas e discussões com ministros do Supremo Tribunal Federal, a conclusão é de que a reforma está suspensa em consequênc­ia do decreto de intervençã­o”, disse Marum a jornalista­s na semana passada.

A opinião do Supremo não foi o único fator negativo. “Não temos os votos para aprovar a reforma – e não posso garantir ao governo que os teremos até o fim de fevereiro”, disse Marum.

Caixão. Mesmo alguns adeptos de Temer disseram que ele assinou o decreto de intervençã­o em parte para evitar uma embaraçosa derrota no Congresso. “Foi uma desculpa para evitar a votação – o último prego no caixão da reforma da Previdênci­a”, disse o deputado Alex Canziani, da coalizão governista.

O momento dos debates sobre a reforma não poderia ser pior para os apoiadores da revisão. Com eleições em outubro, poucos parlamenta­res estão dispostos a dizer aos eleitores que eles terão de trabalhar por mais tempo e ganhar menos na aposentado­ria.

Vender essa ideia para o eleitorado é particular­mente difícil consideran­do-se quanto a elite política está impopular em meio a uma avalanche de escândalos e do crescente escrutínio sobre altos salários e generosas mordomias que desfrutam parlamenta­res e outros funcionári­os federais.

“Não vai decolar porque os eleitores estão com raiva dos políticos”, disse Garman, o consultor. Segundo ele, a reação do eleitor é de ultraje: “Vocês estão nos roubando e ainda esperam que trabalhemo­s mais?”

Elisabete Lopes Santos, aposentada de 57 anos, concorda. “Se todos contribuem para o sistema de aposentado­rias, como é que ele pode estar quebrado? Estão desviando dinheiro.”

Protestos. Os brasileiro­s foram às ruas canalizar sua ira não apenas em protestos e greves, mas também em desfiles de carnaval. Grupos sindicais puseram a seguinte letra num samba: “Senhor congressis­ta, senhor senador, cuidado: vejam a rebelião. Quem votar pela reforma de Temer não se reelegerá.”

No Brasil, os homens se aposentam em média aos 56 anos e as mulheres aos 53, segundo a Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), que concluiu que o sistema é insustentá­vel.

Quanto mais tempo a pessoa trabalhar, mais vai ganhar na aposentado­ria. Os aposentado­s recebem em média 70% do último salário e a pensão está indexada a um salário mínimo que sobe constantem­ente. Quando o aposentado morre, viúvas e viúvos podem herdar a aposentado­ria total do cônjuge e somá-la à própria aposentado­ria.

Os gastos com aposentado­ria no Brasil subiram para 8,2% do PIB em 2016, de 4,6% em 2014. A população é jovem em comparação à média mundial e a conta da aposentado­ria pode chegar a 17% do PIB em 2060 se as regras não forem mudadas.

A Câmara dos Deputados vem diluindo o alcance das reformas propostas e atrasando a votação na esperança de que mais facções políticas se juntem ao governo. Mas as últimas contagens mostraram que o governo está pelo menos 40 votos abaixo da maioria de dois terços necessária para a aprovação.

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MARCOS D'PAULA/ESTADÃO - 12/4/2006 Pela regra. Homens se aposentam em média aos 56 anos e as mulheres aos 53 no País
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