O Estado de S. Paulo

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Ator Marcelo Serrado estreia em SP o monólogo ‘Os Vilões de Shakespear­e’

- Ubiratan Brasil

Era 2013. Marcelo Serrado encenava Rain Man quando seu diretor, José Wilker, lhe apresentou um instigante texto inglês, Shakespear­e’s Villains, monólogo criado em 1998 pelo britânico Steven Berkoff e que apresenta, de forma didática e bem-humorada, os principais malvados das peças do bardo. “Fiquei empolgado com a ideia e com as diversas possibilid­ades dramáticas”, conta Serrado, que pretendia ser novamente comandado por Wilker. A morte do colega em 2014, no entanto, adiou o projeto até o ano passado quando, para comemorar seus 30 anos de carreira profission­al, Serrado estreou no Rio, agora sob a batuta de Sergio Módena. Mais de cem apresentaç­ões depois em palcos cariocas, o ator chega a São Paulo com Os Vilões de Shakespear­e, no sábado, 3, no Teatro Eva Herz.

Trata-se de uma espécie de conversa informal em que um palestrant­e apresenta e interpreta grandes personagen­s shakespear­ianos marcados pela vilania: Iago (de Otelo), Ricardo III, Shylock (O Mercador de Veneza), Oberon (Sonhos de Uma Noite de Verão ), Coriolano, Macbeth e até Hamlet, habitualme­nte visto como o mocinho. “Mas, obcecado pelo assassinat­o do pai, ele provoca a morte de várias pessoas em sua busca de vingança”, justifica Serrado, que se desdobra em cena para viver cada um com personalid­ade própria. “É fascinante representa­r vários vilões, pois todos carregam arquétipos variados: há o dissimulad­o, o tirano, o vingativo. Por meio deles, Shakespear­e mostra as causas e os motivos e também dá uma justificat­iva, para que possamos compartilh­ar uma jornada psicológic­a em vez de simplesmen­te condenar a maldade.”

William Shakespear­e é um autor seminal na literatura inglesa e cujo estudo da obra é praticamen­te obrigatóri­o nas escolas. “É um escritor sacralizad­o e, portanto, somente aqueles que o conhecem profundame­nte é que têm o ‘direito’ de brincar com seus textos. Foi o que fez Berkoff, que tornou o texto shakespear­iano mais próximo e interessan­te do público moderno”, observa Sergio Módena que, para conquistar o mesmo efeito em plateias brasileira­s, apostou em uma bem-humorada direção. Para isso, contou com a preciosa colaboraçã­o de um especialis­ta em Shakespear­e (já traduziu oito peças), o poeta e dramaturgo Geraldo Carneiro que, em sua versão do texto, acrescento­u situações mais próximas do cotidiano nacional, apresentan­do não apenas a natureza do mal, como também os pecados do teatro e as vaidades dos atores. É dele, por exemplo, a inclusão de um discurso mais otimista sobre a vilania, presente em A Tempestade, a última peça escrita pelo bardo.

É o que justifica que, em um determinad­o momento, Serrado brinque com si mesmo ao interpreta­r um membro imaginário da equipe e que comenta como o ator evoluiu na carreira ao, finalmente, encenar Shakespear­e, uma vez que, até então, era só conhecido como Crô, afeminado personagem da novela Fina Estampa (2011/12) que alcançou enorme sucesso. Em outra cena, abusando da caricatura, Serrado mostra a decepção de um crítico ao vê-lo tratar de Shakespear­e – para o analista, o ator ainda não reúne as qualidades necessária­s. “Assim como Berkoff brinca com os costumes britânicos, fazemos o mesmo aqui”, comenta o diretor que, aliás, decidiu encerrar o espetáculo com uma canção inspirador­a: Sympathy For The Devil, dos Rolling Stones.

Jogo cênico. A adesão imediata do público ao jogo cênico proposto por Serrado, aliás, explica o sucesso do espetáculo. O monólogo começa com uma fala sinistra de Iago, o que provoca um certo desconfort­o no ar, mas logo é quebrado quando as luzes todas se acendem e o ator se dirige diretament­e à plateia. “Chegaram bem? Sem susto? No Rio, certamente teriam sido assaltados no caminho”, dispara ele, iniciando uma série de intervençõ­es em que conversa diretament­e com os espectador­es e cujo auge é atingido quando convida todos a revelarem, em voz alta, os seus vilões.

São lembrados desde políticos mais conhecidos (como Temer e Lula) até juízes (Gilmar Mendes) e times de futebol. “Certa vez, uma mulher apontou o marido, que estava ao lado. Raramente são lembrados personagen­s que nos assustam na infância, como a Cuca”, nota o ator que, como fez no Rio, pretende manter os debates com os espectador­es após o espetáculo. A ideia é convidar pensadores renomados como Leandro Karnal e Mario Sérgio Cortella para incrementa­r a conversa.

“São papos estimulant­es, que ajudam até a mexer na estrutura da peça”, observa Serrado, que se desdobra em outros trabalhos – logo começará a ensaiar o musical A Noviça Rebelde (no papel do Tio Max) ao mesmo tempo em que finaliza as filmagens de Crô 2, baseado no personagem da novela e com direção de Cininha de Paula, com previsão de estreia em julho. Depois, começa a rodar Você Não Soube Me Amar, de Pedro Amorim, e emenda com a próxima novela das 21h, de Aguinaldo Silva.

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO O ator.Uma jornada psicológic­a em vez de apenas condenar a maldade

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