O Estado de S. Paulo

Muito a esclarecer

- (do grupo)”.

Aprocurado­ra-geral da República, Raquel Dodge, enviou para homologaçã­o do ministro Edson Fachin, relator dos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de revogação dos acordos de delação premiada de Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva, sócio-proprietár­io e executivo do Grupo J&F, respectiva­mente.

A razão alegada por Raquel Dodge para revogar os benefícios concedidos à dupla é essencialm­ente a mesma que levou o seu antecessor no cargo, Rodrigo Janot, a requerer, em setembro do ano passado, a perda dos benefícios concedidos a Joesley Batista e Ricardo Saud, também do Grupo J&F.

Em ambos os casos, a Procurador­ia-Geral da República (PGR) entendeu que, já sob a condição de colaborado­res, tanto os irmãos Batista como os dois executivos “omitiram deliberada­mente fatos ilícitos que deveriam ter sido apresentad­os por ocasião das assinatura­s dos acordos”. Tais “fatos ilícitos” estão bem explicados no documento enviado por Raquel Dodge ao ministro Fachin na segunda-feira passada.

Raquel Dodge foi bastante clara ao afirmar que um dos crimes omitidos pelo rol de colaborado­res foi a “prestação de serviços ao grupo empresaria­l pelo então procurador da República Marcelo Miller”. Tal ato, prosseguiu a procurador­a-geral da República em pedido ao STF, “configura corrupção ativa pela cooptação de funcionári­o público, mediante vantagem indevida, para a prática de atos em seu favor

O suposto “jogo duplo” de Marcelo Miller – que ao mesmo tempo que, como procurador da República, atuava no acordo de delação premiada dos executivos da J&F com a PGR, também representa­ria os interesses do grupo como advogado nas negociaçõe­s do acordo de leniência conduzidas pelo escritório Trench, Rossi e Watanabe – é um dos episódios mais graves da história da PGR e impõe uma rigorosa investigaç­ão, imune às eventuais pressões corporativ­as.

Sobre Marcelo Miller paira a grave acusação de ter recebido R$ 700 mil de honorários nos meses de fevereiro e março de 2017 por supostos serviços prestados à J&F. Naquele período, Miller ainda era procurador da República, tendo se desligado do Ministério Público Federal apenas no dia 5 de abril daquele ano, quando passou a trabalhar no escritório Trench, Rossi e Watanabe.

Recentemen­te, foi divulgado o conteúdo de uma troca de mensagens por celular entre Miller e a advogada Esther Flesch, ex-sócia do referido escritório. As mensagens sugerem que Miller teria usado o contato direto que tinha com os controlado­res da J&F, por ocasião das negociaçõe­s para o fechamento do acordo de delação premiada, como um “ativo” pessoal durante os acertos financeiro­s para sua transferên­cia do serviço público para o escritório, onde veio a atuar justamente na condução do acordo de leniência da J&F.

As “lambanças” do ex-procurador Marcelo Miller e de seu então chefe, amigo e hoje desafeto Rodrigo Janot levaram o País a uma crise política de tal magnitude que custou, entre outros enormes prejuízos, a votação da imprescind­ível reforma da Previdênci­a, dada como certa em maio do ano passado, quando veio a público a delação dos irmãos Batista. Tudo ao preço de duas denúncias ineptas oferecidas contra o presidente Michel Temer.

Ao afirmar em manifestaç­ão ao STF que Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva cometeram o crime de corrupção ativa na “cooptação de funcionári­o público”, vale dizer, de Marcelo Miller, Raquel Dodge há de reconhecer que, a ser procedente tal acusação, há de se investigar a sério o ex-procurador pela eventual prática do crime de corrupção passiva, entre outros a serem apurados.

Os acordos de colaboraçã­o premiada são uma realidade na nova metodologi­a de persecução criminal no País. Há razões para crer que vieram para ficar. Graças a eles, investigaç­ões importante­s estão em andamento e muitas figuras antes considerad­as fora do alcance da lei hoje respondem pelos crimes de que são acusadas. Portanto, sobre eles não pode pairar qualquer suspeição.

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