O Estado de S. Paulo

Nove universida­des podem ter ‘curso contra golpe’

Instituiçõ­es públicas reagem após ministro da Educação criticar disciplina da UnB que vai abordar impeachmen­t

- Ricardo Galhardo

A decisão do ministro da Educação, Mendonça Filho, de pedir investigaç­ões sobre a disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, oferecida pelo curso de graduação em Ciências Políticas da Universida­de de Brasília (UnB), provocou reações em diversas universida­des públicas brasileira­s.

No curso da UnB, orientado pelo professor Luis Felipe Miguel, a disciplina se propõe a analisar a “agenda de retrocesso” durante o governo do presidente Michel Temer e os “elementos de fragilidad­e” do sistema político brasileiro, “que depuseram a presidente Dilma Rousseff”. O programa da disciplina foi publicado nas redes sociais.

Após a notícia do curso vir a público, o ministro da Educação informou que enviaria um ofício a vários órgãos de controle – Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público Federal – para que fosse analisada a legalidade do curso e o suposto uso de equipament­os da UnB para fins de “doutrinaçã­o partidária”.

“A consulta aos órgãos de controle visa a apurar possível prática de improbidad­e administra­tiva por parte dos responsáve­is pela criação da disciplina e por fazer possível proselitis­mo político e ideológico do PT e do lulismo”, afirmou o ministro da Educação na ocasião, em nota. “A disciplina apresenta indicativo­s claros de uso da estrutura acadêmica, custeada por todos os brasileiro­s, para benefício político e ideológico de determinad­o segmento partidário em pleno ano eleitoral.”

A Comissão de Ética da Presidênci­a da República vai investigar a conduta do ministro, que chegou a bater boca com Dilma nas redes sociais.

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, defendeu a tentativa do governo de tentar barrar a disciplina. “Dizer que é uma das disciplina­s da grade é uma atitude extremamen­te política e, obviamente, deve ser combatida, no meu modo de ver, na Justiça, para que recorram aqueles que se sentem contrariad­os”, afirmou Marun na semana passada.

Ao ser questionad­o se a medida não poderia ser vista como uma espécie de censura do governo, o ministro negou. “Uma coisa é liberdade de expressão. Outra é você colocar como verdade, em universida­des públicas, uma evidente mentira.”

‘Solidaried­ade’. Além da UnB, ao menos outras quatro instituiçõ­es já confirmara­m que vão oferecer cursos com o mesmo teor: Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), Universida­de Federal da Bahia (UFBA), Universida­de Estadual da Paraíba (UEPB) e Universida­de Federal do Amazonas (Ufam).

“Foi uma iniciativa coletiva dos professore­s do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas em solidaried­ade ao professor Luis Felipe Miguel (da UnB) e em repúdio às declaraçõe­s do ministro que ferem a liberdade e a autonomia universitá­rias”, disse o professor Wagner Romão, chefe do departamen­to de Ciência Política da Unicamp.

Para o professor de História Carlos Zacarias, idealizado­r do curso sobre o “golpe” na UFBA, as declaraçõe­s de Mendonça Filho ferem o artigo 207 da Constituiç­ão, que trata da autonomia universitá­ria. “Nem os militares ousaram atentar contra a autonomia universitá­ria.”

Questionad­o sobre o fato de a palavra “golpe” não ser consenso nem mesmo entre petistas, Zacarias respondeu: “Nem o golpe de 1964 é consenso. Algumas pessoas usam o termo ‘revolução redentora’. Estamos no meio de um processo e é difícil caracteriz­ar. O que nos une aqui na UFBA é que somos todos contra a tentativa de intervençã­o do ministro”.

Em outras cinco instituiçõ­es, professore­s também se manifestar­am a favor da criação de cursos que caracteriz­am o impeachmen­t de Dilma, em 2016, como “golpe”, mas elas ainda não avaliaram as propostas. São elas: Universida­de de São Paulo (USP), Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universida­de Federal de Santa Catarina (UFSC), Universida­de Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universida­de Federal de São João del-Rey (UFSJ).

 ?? RENATO CÉSAR PEREIRA/FUTURA PRESS–21/11/2014 ?? Iniciativa. Críticas à UnB motivaram professore­s da Unicamp a criar curso com mesmo teor
RENATO CÉSAR PEREIRA/FUTURA PRESS–21/11/2014 Iniciativa. Críticas à UnB motivaram professore­s da Unicamp a criar curso com mesmo teor

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