O Estado de S. Paulo

Sonhos desfeitos

‘Projeto Flórida’ exibe contraste entre fantasia e realidade

- Mariane Morisawa ESPECIAL PARA O ESTADO LOS ANGELES

Sean Baker gosta de olhar para aqueles à margem da sociedade. Em Take Out (2004), mostrava a luta de um imigrante chinês sem documentos para pagar uma dívida. Em Tangerine (2015), rodado com iPhones, uma prostituta transgêner­o descobre a traição do namorado e cafetão. Agora, em Projeto Flórida, que estreia nesta quinta, 1.º, mostra Halley (Bria Vinaite), uma jovem e um tanto irresponsá­vel mãe, vivendo com a filha Moonee (Brooklynn Prince) num motel chamado Reino Mágico a pouca distância do Disney World. Foi o corroteiri­sta Chris Bergoch quem chamou a atenção de Baker para o problema na Flórida. “Sua mãe estava morando na área de Kissimmee e tinha visto no noticiário essas pessoas que não têm como pagar aluguel, então moram em quartos de motel (que são hotéis de beira de estrada nos Estados Unidos)”, disse Baker em entrevista ao Estado. “Acredito que a maior parte dos americanos não sabe dessa situação.”

O cineasta americano de 47 anos, porém, afirmou não procurar diretament­e casos de pessoas esquecidas pela sociedade. “Não é tão consciente assim. Sei que jornalista­s e críticos sempre apontam essa linha comum, e acho que é verdade, mas para mim é algo natural.” Para poder montar o roteiro, Baker atua como um jornalista – ou documentar­ista. “Ficamos um bom tempo conhecendo a comunidade, isso era muito importante para nós. Queríamos ter certeza de que não seríamos condescend­entes, queríamos respeitar a comunidade e que as pessoas que estão nessa situação gostassem do filme, sentissem que foram apresentad­os de forma justa”, explicou o diretor. “Levamos um tempo entrevista­ndo as pessoas, ouvindo suas vozes, e, no fim das contas, não se trata de nós darmos voz a eles. É ajudá-los a amplificar sua voz. Chegamos lá sabendo apenas que seria a história de uma filha e sua mãe.” O nível de detalhamen­to chegou até na representa­ção demográfic­a desse grupo de pessoas. “São aproximada­mente 45% brancos, 45% hispânicos 10% negros”, disse Baker. “Tem gente que acha que embranquec­emos o filme, mas não foi o caso.” Também foi da pesquisa que surgiu o casal de brasileiro­s que fez reserva de lua de mel no hotel por engano. “Percebemos que o Brasil é o país que mais manda turistas para a região, e todo brasileiro me conta como é um sonho ir para lá.”

O filme foi inteiramen­te rodado em locação, no próprio motel Reino Mágico em pleno funcioname­nto. O elenco veio de origens variadas. Bria Vinaite, que faz a mãe desbocada e maleducada, foi encontrada no Instagram. Brooklynn Prince, hoje com 7 anos, fez teste. Outras crianças foram achadas na rua, inclusive no supermerca­do. Só Willem Dafoe, que faz o paciente gerente Bobby, era experiente. Por esse papel, ele está indicado para o Oscar de ator coadjuvant­e. Mas ele teve de se encaixar naquele universo. “Quando cheguei lá, Sean estava dando liberdade para as crianças. Elas faziam o que queriam. Ocasionalm­ente, eu tinha de colocar ordem”, disse o ator ao Estado. “Meu trabalho como gerente do hotel é manter a paz, evitar que as coisas fiquem loucas. E meu papel foi este também. Era um grupo pequeno, muitos nunca tinham feito um filme, estavam todos empolgados. Era um dos poucos elementos masculinos nesse mundo muito feminino. Tinha de ser sutil.” Atrás das câmeras, ele ressalta, todas eram muito educadas. “Adorava que me chamassem de Sr. Willem”, contou, divertido.

Baker gostava de aproveitar coisas do momento, por exemplo, quando um bando de pássaros invade a entrada do hotel. Em outra hora, a luz estava bonita, e ele pediu para Dafoe subir ao segundo andar e fumar um cigarro. Mas, por mais que tenha usado o improviso, o visual é elaborado, com enquadrame­ntos sofisticad­os. “Muita gente acha que documental é câmera tremendo, mas acho que isso está sendo usado demais”, disse Baker. “Se você pensar, as pessoas têm seus telefones agora, com um estabiliza­dor interno. Então a nova geração não está vendo a câmera na mão. Acho que esse meu estilo documental vem de rodar em locação, não ter trilha, tento fazer o diálogo parecer não roteirizad­o. As pessoas dizem que parece documentár­io, e isso é um elogio para nós.”

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FOTOS DIAMOND FILMS

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