O Estado de S. Paulo

Trump ameaça levar mundo a uma guerra comercial

União Europeia estuda adoção de barreira tarifária a produto dos EUA após restrição a aço anunciada pelo país

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

A decisão anunciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, de adotar barreiras tarifárias de 25% sobre as importaçõe­s de aço e de 10% contra o alumínio estrangeir­o, provocou reação global generaliza­da ontem. A União Europeia e outros países potencialm­ente afetados consideram impor medida semelhante contra produtos americanos. Eles estudam uma aliança internacio­nal em um processo na Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC) para evitar que a barreira tarifária seja estendida para outros setores. Ontem, Trump fez em uma rede social uma espécie de defesa de guerras comerciais. “Quando um país está perdendo vários bilhões de dólares em comércio com praticamen­te todos os países com que faz negócios, guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”, escreveu. O diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevedo, disse temer a retaliaçõe­s entre as maiores economias globais. “Guerra comercial não é do interesse de ninguém.”

O presidente americano Donald Trump acendeu o estopim de uma guerra comercial global ao anunciar, na quinta-feira, a adoção de barreiras tarifárias à exportação de aço e alumínio. Ontem, houve uma reação global generaliza­da contra a medida, com vários países ameaçando retaliar os Estados Unidos impondo também barreiras contra produtos americanos. “Não vamos ficar sentados e ver nossa indústria ser afetada por essa medida”, afirmou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Segundo apurou o Estado, governos de países potencialm­ente afetados pela medida já consideram formar uma aliança internacio­nal em um megaproces­so na Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), na tentativa de fazer pressão para que a medida de Trump não abra um precedente para outros setores.

O presidente americano quer impor uma taxa de 25% sobre as importaçõe­s de aço e de 10% contra o alumínio estrangeir­o, numa medida para proteger a indústria local. E ontem, no Twitter, fez uma espécie de defesa das guerras comerciais: “Quando um país está perdendo vários bilhões de dólares em comércio com praticamen­te todos os países com que faz negócios, guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar.”

As reações foram imediatas. A União Europeia indicou que vai responder de forma “firme”, com tarifas de importação também de 25% sobre cerca de ¤ 3,5 bilhões em fluxo de comércio americano. Isso incluiria as exportaçõe­s agrícolas, mas também afetaria marcas de dimensões globais dos EUA, como motos Harley-Davidson ou roupas Levi’s, citadas por Juncker.

Cecilia Malmstrom, comissária de Comércio da Europa, confirmou que Bruxelas está “discutindo diferentes medidas” contra produtos americanos. “Estamos olhando para tudo, desde levar o caso à OMC, sozinhos, com parceiros, mas também medidas de salvaguard­a ou possíveis retaliaçõe­s”, disse.

Uma primeira etapa do processo na OMC deve ser lançada em breve. Nos bastidores, o Estado apurou que diplomatas consideram uma ação conjunta para mostrar a unidade da comunidade internacio­nal contra Trump. Em 2002, algo parecido foi realizado por Europa, Brasil, Japão e vários outros governos contra medidas similares adotadas por George W. Bush.

Num raro comunicado de apoio à Europa, o governo russo indicou que compartilh­a das preocupaçõ­es dos governos europeus. “Vamos analisar nossa relação comercial com Washington”, disse Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Mesmo o principal parceiro comercial dos EUA, o Canadá, deixou clara sua irritação com a medida de Trump. “Essa tarifa será inaceitáve­l”, disse o ministro de Comércio do Canadá, François-Philippe Champagne.

As siderúrgic­as instaladas no Brasil estão preocupada­s com a ameaça de taxação em 25% do aço importado pelos Estados Unidos. A medida, anunciada na quinta-feira pelo presidente Donald Trump, será detalhada a partir da próxima semana e coloca as indústrias em alerta. “Um terço das exportaçõe­s brasileira­s de aço tem como destino os Estados Unidos”, disse Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil (IABr). As ações da CSN, Usiminas e Gerdau fecharam com forte queda ontem, entre os piores desempenho da Bolsa . Juntas, as três perderam R$ 1,7 bilhão em valor de mercado.

No ano passado, o País exportou 15,3 milhões de toneladas de aço, dos quais 4,7 milhões de toneladas (US$ 2,6 bilhões em receita) foram para o mercado americano, segundo a IABr. Só a CSA, que pertence ao grupo ítalo-argentino Ternium, tem contrato anual de 2 milhões de toneladas de aço para a Calvert, no Alabama. A francesa Vallourec, com unidades em Minas, exporta 70% de sua produção, boa parte para o mercado americano.

Em nota, a Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI) disse que a decisão dos EUA de impor sobretaxas é “injustific­ada, ilegal e prejudica o Brasil”. Para a entidade, as medidas anunciadas por Trump “vão afetar US$ 3 bilhões em exportaçõe­s brasileira­s de ferro e aço e US$ 144 milhões em exportaçõe­s de alumínio”.

A CSN e outras siderúrgic­as no País começaram a intensific­ar as exportaçõe­s nos últimos anos, após a longa recessão que se abateu sobre o Brasil. Fontes ligadas à siderúrgic­a comandada pelo empresário Benjamin Steinbruch afirmaram que a empresa aposta na recuperaçã­o do mercado interno. A CSN exporta placas para sua unidade em Indiana, nos EUA, que é reindustri­alizada.

Os papéis da CSN encerraram ontem com recuo de 5,05%, cotados a R$ 9,21. As ações da Usiminas caíram 3,9%, a R$ 11,34, enquanto as da Gerdau baixaram 1,46%, a R$ 16,90 (os papéis da holding da família caíram 2,38%). Risco. Para Lopes, do IABr, apostar na recuperaçã­o do mercado doméstico é uma temeridade. “O Brasil produziu 34 milhões de toneladas de aço em 2017, dos quais 15,3 milhões foram exportadas. Ainda há capacidade ociosa no País”, disse ele, lembrando que o consumo aparente ficou em 19 milhões de toneladas no ano passado. “As vendas no mercado doméstico foram de 16 milhões de toneladas de toneladas.”

No início desta semana, Lopes e representa­ntes das principais indústrias instaladas no País participar­am de reuniões nos EUA para tentar sensibiliz­ar o governo americano sobre os impactos de tarifas sobre o aço brasileiro. “O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os EUA, atrás do Canadá, e cerca de 80% do que o Brasil vende ao mercado americano é reprocessa­do. Os EUA importam cerca de 30 milhões de toneladas e, com essa medida, esse volume vai sobrar”, disse.

A Usiminas informou que as novas medidas do governo dos EUA não devem ter impacto relevante para a empresa, uma vez que o país respondeu por 4% das vendas externas da companhia no ano passado. A empresa destina apenas 15% de suas vendas totais ao mercado externo.

À reportagem, a Vallourec não revelou dados de exportação, mas afirmou que, atualmente, a unidade brasileira exporta aproximada­mente 70% da produção e que o mercado americano é um dos principais compradore­s. A CSN não comentou o assunto. Já a Gerdau não retornou os pedidos de entrevista.

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TASSO MARCELO/ESTADÃO-26/5/2011 Alternativ­a. Após crise, siderúrgic­as elevaram exportação

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