O Estado de S. Paulo

Itália vota hoje sob a sombra de Berlusconi

Novo ciclo. Após seis anos de governos de centro-esquerda, coalizão de Berlusconi é favorita para vencer e voltar ao poder

- Lourival Sant’Anna ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Com as eleições de hoje, a Itália pode voltar para as mãos da direita populista, sob a marca do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Depois de seis anos de governos “técnicos”, reformista­s e de centro-esquerda, a Itália pode voltar, com as eleições de hoje, para as mãos da direita populista, sob a marca do imortal Silvio Berlusconi. Impedido de se tornar primeiromi­nistro pela quinta vez, por ter sido condenado por fraude fiscal, Il Cavaliere, como é conhecido, pode ressurgir no rastro de uma coalizão com os nacionalis­tas da Liga e dos Irmãos da Itália (FdI).

De acordo com uma média de pesquisas, calculada pelo Instituto de Estudos da Opinião Pública (Ispo), de Milão, a aliança de centro-direita teria 37% dos votos, seguida pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), do comediante Beppe Grillo, com 28%, e pelo Partido Democrátic­o (PD), do atual primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, com 27%.

As eleições italianas são imprevisív­eis. A lei proíbe a divulgação de pesquisas duas semanas antes da votação. O sistema eleitoral e partidário é muito fragmentad­o e dificilmen­te um partido ou mesmo aliança alcança maioria absoluta. O presidente, no caso Sergio Mattarella, tem muita autonomia para escolher quem deve formar governo.

No entanto, os partidos continuam fazendo suas pesquisas e, nas vésperas da eleição, o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, aceitou convite de Berlusconi para postular o cargo de primeiro-ministro. Dificilmen­te Tajani se exporia a enfraquece­r seu mandato à frente do Parlamento Europeu se não tivesse indícios fortes de vitória do partido.

O acordo firmado entre os quatro partidos da aliança de centro-direita prevê que, em caso de vitória, o que tiver mais votos indicará o primeiro-ministro. Pelos números do Ispo, o Força Itália, de Berlusconi, teria 17%; a Liga, 13%; o FdI, 5%, e o Nós pela Itália-UDC, 2%.

O nome de Tajani foi recebido com desconfort­o pelos parceiros do Força Itália, que cultivam um sentimento antieurope­u. Tajani fez carreira galgando a estrutura da União Europeia (UE), como comissário de Transporte­s e, depois, da Indústria.

Criada em dezembro, a Liga é originária da Liga Norte, um movimento separatist­a lançado em 1991. Sua “versão repaginada” assumiu uma imagem nacional, que atrai votos até no sul, antes por ela menospreza­do como região atrasada e preguiçosa, que o norte industrial­izado carregava nas costas.

Seu líder, Matteo Salvini, candidato a primeiro-ministro caso a Liga seja a mais votada, reagiu na sexta-feira com ironia à indicação: “Tenho uma visão mais clara da União Europeia. Respeito Tajani, mas espero que continue presidente do Parlamento, e Salvini seja o primeiro-ministro”. Giorgia Meloni, a líder do FdI, foi na mesma linha: “Respeito Tajani, mas preferiria alguém que saiba dar um murro mais forte na mesa na Europa”.

Apesar da retórica, a Liga não incluiu em seu programa um referendo sobre a saída da Itália da zona do euro, posição clássica dos nacionalis­tas italianos, que consideram que o país, terceira maior economia da UE, a partir da saída da Grã-Bretanha, é prejudicad­o pela liderança alemã e francesa no bloco.

A escolha feita por Berlusconi represento­u um alívio para a UE

e para os mercados. “Tajani empenhou-se em manter os vínculos da Itália com a UE, e em um certo sentido assegurari­a maior continuida­de do governo de Gentiloni do que a Liga ou o M5S”, disse ao Estado Marcello Messori, diretor da Escola Luiss de Política Econômica Europeia, de Roma.

Mas não há motivos para festejar. A proposta de Berlusconi de introduzir um imposto único preocupa Messori, porque pode

reduzir a arrecadaçã­o e elevar a dívida pública, já em 131% do PIB, além de aumentar a desigualda­de.

Para se contrapor aos partidos tradiciona­is, o M5S rejeita alianças. Nestas eleições, seu candidato a premiê é o pragmático e moderado vice-presidente da Câmara, Luigi di Maio. “Mesmo que agora eles queiram formar coalizão, nenhum partido vai querer”, diz Renato Mannheimer, diretor do Ispo.

Se ainda assim Mattarella os convocar para um governo de minoria, como eles insistem, suas propostas igualmente preocupam. O M5S também excluiu do seu programa a saída da zona do euro, mas promete, por exemplo, benefício de ¤ 780 para 9 milhões de italianos. Para Messori, além de onerar as contas públicas, isso pode desestimul­ar o trabalho. “Um programa de renda mínima precisa ser bem desenhado”, observa o economista.

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ALBERTO PIZZOLI/AFP-2/3/2018 Aposta. Berlusconi pode ressurgir no rastro de uma coalizão

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