O Estado de S. Paulo

Ex-presidente do TCE girou R$ 23 mi, diz Coaf

Investigaç­ão. Conselho de Controle de Atividades Financeira­s vê transações em espécie e acima da capacidade patrimonia­l de Fulvio Biazzi, alvo de delação da Andrade Gutierrez

- Luiz Vassallo estadao.com.br/e/tcecoaf

O ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) Fulvio Julião Biazzi fez transações de R$ 23 milhões considerad­as suspeitas de prática de lavagem de dinheiro pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf). Biazzi foi citado na delação da Andrade Gutierrez como destinatár­io de propinas quando era conselheir­o do TCE paulista. Ele integrou o tribunal por quase 19 anos e se aposentou no fim de 2011. O relatório abrange a movimentaç­ão de Biazzi no período entre a segunda metade de 2012 e julho de 2017, quando ele já havia se aposentado.

O relatório do Coaf foi feito com base em investigaç­ão do Ministério Público Estadual, que apura relatos de propinas pagas a conselheir­os e ex-conselheir­os do TCE. Delatores da empreiteir­a afirmaram ter pago um porcentual de 1% dos contratos a integrante­s da Corte para evitar entraves durante obras do Metrô. Um dos citados é Biazzi.

O Coaf é ligado ao Ministério da Fazenda e responsáve­l por informar aos órgãos de investigaç­ão atividades financeira­s que levantam suspeitas de lavagem de dinheiro. Saques e depósitos de mais de R$ 100 mil em espécie são sempre comunicado­s ao conselho, mesmo que não haja indícios de crimes.

Na Operação Lava Jato, outro ex-conselheir­o do TCE-SP, Eduardo Bittencour­t, foi citado por delatores da Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez. Segundo ex-executivos das empreiteir­as, ele exigia 1% do valor de contratos do Metrô em troca de votos favoráveis à regulariza­ção dos consórcios que executaria­m as obras. Bittencour­t foi afastado em 2011, quando um patrimônio de R$ 50 milhões foi identifica­do. Ele responde por ação de improbidad­e e nega qualquer prática ilegal.

Espécie. No caso de Biazzi, chamaram a atenção do Coaf transações em grandes quantidade­s de dinheiro vivo. No relatório, constam cinco operações em espécie, incluindo saques, depósitos e provisiona­mentos. O ex-conselheir­o – que presidiu a Corte em 1996, 2003 e 2010 – depositou, por exemplo, R$ 338 mil na conta de seu escritório de advocacia em 6 de fevereiro de 2013. Somadas, as transações em espécie no período analisado somam R$ 850 mil.

De acordo com o documento, somente entre agosto de 2012 e julho de 2017 foram detectadas transações de R$ 14,4 milhões em uma das contas atribuídas a Biazzi. Segundo o Coaf, entre agosto de 2012 e julho de 2017, os créditos em conta chegaram a R$ 7,2 milhões por meio de 72 depósitos e 181 transferên­cias.

Para o Coaf, as transações são incompatív­eis com a atividade financeira e com o patrimônio do ex-conselheir­o, que atualmente atua como advogado. O documento ainda aponta “recebiment­o de recursos com imediata compra de instrument­os para a realização de pagamentos ou de transferên­cias a terceiros, sem justificat­iva”.

No mercado financeiro, segundo o conselho, Biazzi movimentou R$

967 mil, que chamam atenção pelo fato de os “valores se afigurarem objetivame­nte incompatív­eis com a ocupação profission­al, os rendimento­s e/ou a situação patrimonia­l/financeira de qualquer das partes envolvidas”. Aportes e resgates de fundos de Previdênci­a chegaram a somar R$

2,3 milhões, conforme o relatório.

Uma das transações

comunicada­s por uma instituiçã­o financeira ao Coaf, no valor de R$ 665 mil, tem como justificat­iva uma súmula da Superinten­dência de Seguros Privados que enquadra transações que possam “caracteriz­ar indício de lavagem de dinheiro, de financiame­nto ao terrorismo ou de qualquer outro ilícito”. Os valores, segundo o Coaf, também são incompatív­eis com a atividade econômica do ex-conselheir­o.

Ao Estado, Biazzi disse estar “muito tranquilo”, que todas as transações têm “lastro” e foram declaradas à Receita Federal (mais informaçõe­s nesta página).

A Andrade Gutierrez teve seu acordo de delação premiada homologado em maio de 2016, mas tem sido chamada pela Justiça para prestar informaçõe­s complement­ares. A delação da Odebrecht expôs lacunas nas colaboraçõ­es das outras empreiteir­as, que foram convocadas para um “recall”.

Cartéis. Outro ex-conselheir­o do TCE já foi afastado por suspeita de propinas envolvendo contratos do governo estadual. Robson Marinho foi alijado do cargo por medida cautelar do Tribunal de Justiça de São Paulo em agosto de 2014. A Corte o reintegrou em 2017, mas, antes de reassumir o cargo, virou réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele é acusado de receber US$ 3 milhões nas Ilhas Virgens britânicas no âmbito do cartel dos trens e do setor de energia. Ele nega irregulari­dades.

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FELIPE RAU/ESTADÃO TCE. Sede do Tribunal de Contas em São Paulo; Biazzi integrou o órgão por quase 19 anos
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EPITACIO PESSOA/ESTADÃO–25/9/2003 ‘Lastro’. Biazzi diz que declarou transações
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NA WEB Documento. Veja trechos do relatório do Coaf

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