O Estado de S. Paulo

A perigosa doidice de Trump

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A doidice de Donald Trump pode ter um custo enorme para o sistema internacio­nal.

Guerras comerciais são boas e fáceis de vencer, escreveu o presidente americano, Donald Trump, em sua conta no Twitter na manhã de sexta-feira. Mais que uma bravata, essas palavras são mais uma declaração de desprezo a uma ordem global baseada em regras, em acordos e na solução de controvérs­ias por meios civilizado­s. Agravam, portanto, a decisão, anunciada um dia antes pelo presidente, de impor barreiras a importaçõe­s de aço e de alumínio – mais um passo para cumprir algumas das piores promessas da campanha eleitoral. Protecioni­smo, abandono de acordos e construção de um muro na fronteira com o México são alguns desses compromiss­os. A especifica­ção dessas novas barreiras, nos próximos dias, tornará mais clara a amplitude da guerra planejada. Com ou sem limitação dos países classifica­dos como inimigos comerciais (o principal é a China), a iniciativa será, de toda forma, uma agressão a todo o esquema do comércio internacio­nal.

Governos do Canadá, da Alemanha e da França, assim como a Comissão Europeia, já protestara­m contra a nova ameaça americana e prometeram reação às anunciadas medidas protecioni­stas. O Brasil, segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos no ano passado, poderá estar entre os países prejudicad­os diretament­e pelas novas barreiras. A especifica­ção é importante: alguns poderão ser os alvos diretos, mas de forma indireta nenhum participan­te do sistema será poupado. Pior: se o argumento da segurança nacional, invocado por Trump, for usado de forma generaliza­da, a ordem supervisio­nada pela Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC) poderá ser devastada em pouco tempo.

Enquanto repercutia globalment­e o tuíte sobre as delícias da guerra, novos atores entravam na campanha para deter a consumação da nova ameaça trumpiana. A direção do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) divulgou uma declaração com um apelo e uma advertênci­a. O apelo, naturalmen­te, foi dirigido aos governos dos Estados Unidos e dos parceiros para resolver suas diferenças por meio de negociaçõe­s. A advertênci­a foi a mesma já dirigida a Trump por alguns de seus auxiliares, setores do empresaria­do e imprensa: as novas barreiras prejudicar­ão tanto outros países como a economia americana, atingindo a construção e setores industriai­s dependente­s de aço e alumínio importados.

As novas barreiras, como já se disse até dentro da Casa Branca, só interessam a produtores nacionais de baixo poder de competição e causarão danos importante­s à maior parte da indústria e, naturalmen­te, aos consumidor­es. Em editorial, o Wall Street Journal classifico­u a decisão de Trump como doidice (folly) e como o maior erro de sua gestão. Parlamenta­res de seu partido, o Republican­o, condenaram as novas medidas e reafirmara­m fidelidade à sua tradição liberal.

O presidente Donald Trump tem agido, regularmen­te, como se os vários sistemas multilater­ais de regras pouco significas­sem para seu governo. Renegou compromiss­os internacio­nais de proteção do clima. Rejeitou a Parceria Transpacíf­ico, longamente negociada pelo governo anterior. Pôs em xeque o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, firmado com o México e o Canadá na década de 1990. Tem dificultad­o o funcioname­nto da OMC, emperrando nomeações para postos importante­s.

Desta vez, a divisa America First, grande lema do governo de Donald Trump, revelou-se mais claramente equivocada que em outras situações. Obviamente prejudicia­l à maior parte das indústrias e dos consumidor­es nacionais, a implantaçã­o das barreiras contra o aço e o alumínio importados torna o presidente muito mais exposto a críticas internas.

Ele erra de forma indisfarçá­vel ao confundir America (Estados Unidos) com alguns grupos empresaria­is muito limitados e com uma parcela muito restrita dos trabalhado­res. Mas sua doidice, apontada claramente pelo Wall Street Journal, pode ter um custo enorme também para outros países e, na pior hipótese, para o sistema internacio­nal – um triste detalhe apontado lúcida e oportuname­nte pelo FMI.

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