O Estado de S. Paulo

‘Forças Armadas não têm projeto de retomada de poder’

Para pesquisado­ra, intervençã­o no Rio é ‘circunstan­cial’ e militares podem pagar caro caso ideia do governo fracasse

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As Forças Armadas não querem poder, analisa a cientista política Maria Celina D’Araújo, em entrevista ao Estado. Para a pesquisado­ra, os militares poderão pagar um preço alto por estar à frente da segurança do Rio caso a intervençã­o fracasse. Ela vê como apenas circunstan­cial o protagonis­mo militar no País, na esteira da ação no Estado e da nomeação do primeiro militar para ministro da Defesa em 20 anos.

Maria Celina afirma que Temer dá uma “resposta-espetáculo” recorrendo às Forças Armadas, que, para ela, “têm a credibilid­ade que ele não tem”, diz Celina, que é doutora em Ciência Política, professora da PUC-Rio e tem entre seus temas de pesquisa a ditadura brasileira e as relações entre civis e militares. “Elas estão cumprindo uma missão que foi dada pelo poder político, que é parte do sistema de corrupção. Têm sido desmoraliz­adas em muitas ocasiões: chegam e o bandido já foi, a arma sumiu. Não creio que seja um papel que as Forças Armadas brasileira­s queiram para si.”

• O ministro interino da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, afirmou ao Estado que os militares não buscam esse protagonis­mo, que é mera circunstân­cia.

Concordo com ele. O envolvimen­to das Forças Armadas com a segurança pública no Rio não pode ser permanente, segundo a Constituiç­ão. Eles têm que sair. E tem os outros Estados dizendo ‘eu também quero’. Além disso, não creio que haja um projeto político das Forças Armadas de retomar as rédeas do poder.

Então, o que explica o protagonis­mo militar no atual governo?

O protagonis­mo se acentuou com a intervençã­o na segurança. O ministro da Defesa é interino, não é definitivo, mesmo porque Marinha e Aeronáutic­a não aceitam um ministro do Exército. Um civil voltará. O (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal, general Sérgio) Etchegoyen não é novidade. O que tem de novo é que a rubrica mudou, não é mais GLO (Garantia da Lei e da Ordem), é intervençã­o. E com isso muda também a responsabi­lidade das Forças Armadas.

A manutenção de um militar no Ministério da Defesa não seria um passo atrás?

Seria. Mas, por enquanto, é um interino. De qualquer forma, o ministro civil não significa subordinaç­ão das Forças Armadas ao poder civil. Elas estão afastadas de um projeto de tomada do poder, isso é verdade, mas elas continuam tendo voz própria para defender seu sistema de pensões, seu orçamento. Não tem um ministro que os convença que eles vão entrar nas reformas, por exemplo.

• O que pode decorrer de um eventual fracasso da atuação das Forças Armadas na segurança no Rio?

Se os militares forem desmoraliz­ados, a quem se vai recorrer? Qual vai ser a solução? Eles são vistos pela população como o recurso final. Temos uma intervençã­o com grande probabilid­ade de fracassar, porque os militares têm o melhor serviço de inteligênc­ia sobre o tráfico, mas isso não significa necessaria­mente fazer bom uso da informação.

O que explica os militares ainda sejam vistos como solução no Brasil mesmo após a ditadura?

Para a maioria da população, os militares não estão associados com a ditadura. Não se considera sequer que tenha sido um momento tão importante da história. Nós gostamos de esquecer, de passar a mão na cabeça. E também a escala da violência não atingiu todas as famílias. Existe ainda a ideia de que os militares são moralmente superiores, não corrompem e não são corrompido­s. A gente vê grupos pedindo a volta deles, mas são ciclos: às vezes acham que tem que ter mais abertura e liberdade, e, nos momentos de explosão da violência, que é preciso usar mais força.

Militares podem fazer bem o papel de polícia?

Acho que até podem, se forem treinados para isso. Fala-se muito da militariza­ção da polícia, mas o mais importante é entender que há uma policializ­ação dos militares. O limite entre o que é segurança pública e o que é defesa nacional está ficando cada vez mais diluído.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO Missão. Maria Celina vê ação como ‘resposta-espetáculo’

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