O Estado de S. Paulo

REGIÃO NÃO CONSEGUIU SE LIVRAR DAS QUEIMADAS

- / F.G.

Ofogo ardeu nas montanhas no inverno passado, como ocorre há décadas nos morros que partem do Vale do Paraíba, divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro. A vítima foi a Serra da Bocaina, na altura de Bananal, a 326 km da capital. Em setembro, 1,2 mil hectares foram destruídos, e uma estação ecológica, que protege área remanescen­te de Mata Atlântica, quase foi atingida. Mas não foi só ali.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que setembro foi o mês recordista de queimadas no Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1999: foram 95 mil registros em apenas 22 dias. De janeiro a dezembro foram 273 mil focos, número 50% maior do que o registrado em 2016.

O fenômeno já chamava a atenção de um jovem fazendeiro no início do século passado. De tal maneira que, em agosto de 1914, ele chegou a enviar para a seção Queixas e Reclamaçõe­s do Estado uma carta alertando para o que classifica­va como uma das principais causas do empobrecim­ento do solo. Seu nome: Monteiro Lobato.

No texto, publicado em 12 de novembro de 1914, estava o embrião de Urupês, livro que Lobato lançaria quatro anos depois. “A Serra da Mantiqueir­a ardeu como ardem aldeias na Europa”, escreveu o jovem autor, referindo-se à 1.ª Guerra, que tomava conta do continente europeu.

No texto, intitulado Velha Praga, aparecia pela primeira vez aquele que Lobato considerav­a o agente causador desses sucessivos desastres: “Nossa montanha é vítima de um parasita”, disse. “Esse funesto parasita da terra é o caboclo, espécie de homem baldio, seminômade, inadaptáve­l à civilizaçã­o, mas que vive à beira dela na penumbra das zonas fronteiriç­as”.

Passados mais de 100 anos, a prática da queimada para “limpar” o solo para o plantio diminuiu, mas não acabou. “Até hoje a gente ainda acha gente colocando fogo porque acredita que a terra fica mais produtiva”, diz Ronaldo Monteiro, que atua na Polícia Ambiental, em Bananal.

Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, prefeitura, Fundação Florestal e voluntário­s atuaram no combate ao fogo em setembro. A prefeitura decretou estado de emergência. Com a medida, ficou autorizada a convocar munícipes para reforçar as ações, a realizar campanhas de arrecadaçã­o de recursos e a entrar nas casas da região, seja para prestar socorro ou determinar evacuação.

“Era todo mundo com baldes e mangueiras nas mãos para salvar nossa cidade”, lembra Maria Aparecida Silva, de 50 anos, uma das que se apresentar­am para trabalhar contra as chamas. Em novembro, ainda havia vestígios de fogo, apesar das chuvas. Orlando Bispo Alves, de 70 anos, que planta para o consumo numa pequena propriedad­e vizinha à área consumida pelas chamas, disse ser contra as queimadas, mas admitiu conhecer muitos que ainda as praticam. “Eles queimam para limpar uma pequena parte, mas vai queimando, queimando até atingir esse mundão inteiro.”

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