O Estado de S. Paulo

A realidade e os mitos das contas externas

- AFFONSO CELSO PASTORE ✽ EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS

Apesar das dificuldad­es na aprovação das reformas fiscais impopulare­s, como a da Previdênci­a, o País entrou em uma recuperaçã­o cíclica que, na minha interpreta­ção, é a consequênc­ia da execução competente da política monetária e do sucesso na aprovação de algumas reformas, como o teto de gastos e a trabalhist­a.

Entretanto, discordo da interpreta­ção de que o segredo da continuida­de da recuperaçã­o está nos elevados superávits comerciais, que em 2017 atingiram US$ 67 bilhões. Em parte, apenas, isto se deve a um cresciment­o das exportaçõe­s, induzido pela aceleração do cresciment­o mundial e pelo bom comportame­nto dos preços de commoditie­s. O grosso daquela elevação se deve ao desabament­o das importaçõe­s, que caíram perto de 40% entre o pico, no biênio 2013/14, e o vale, no biênio 2016/17.

Por que as importaçõe­s desabaram? Há muito que venho chamando a atenção para a extrema dependênci­a, no Brasil, dos investimen­tos em capital fixo com relação às importaçõe­s totais, e não apenas às importaçõe­s de máquinas e equipament­os. Quem tiver dúvidas é convidado a comparar as séries de importaçõe­s e da formação bruta de capital fixo publicadas nas contas nacionais, e descobrirá que ambas caminham muito próximas. Com o auxílio de técnicas econométri­cas simples descobrirá, também, que os movimentos da formação bruta de capital fixo precedem no tempo os movimentos das importaçõe­s.

A primeira conclusão é que, a menos que os efeitos ocorressem antes das causas, o desabament­o das importaçõe­s é uma consequênc­ia da forte queda da formação bruta de capital fixo. A segunda é que os elevados superávits comerciais são uma manifestaç­ão da doença que nos levou a uma profunda recessão, seguida de uma recuperaçã­o que é firme, mas ainda é lenta.

Quando o ciclo de reformas tiver levado à queda de riscos e à sustentaçã­o da taxa real de juros em níveis baixos, assistirem­os a uma recuperaçã­o da formação bruta de capital fixo e a um aumento de importaçõe­s, com menores superávits ou mesmo déficits na balança comercial, e o aumento dos déficits nas contas correntes. Porém, tal comportame­nto não é reflexo de uma doença, e sim uma manifestaç­ão da saúde da economia, que voltou a crescer. Ao contrário de países nos quais as poupanças domésticas excedem os investimen­tos, gerando superávits nas contas correntes (como na China), tornando-se exportador­es de capitais, o cresciment­o brasileiro ocorre ao lado de déficits que o obrigam a ser um importador de capitais.

Neste ponto vale a pena uma incursão no campo do balanço de pagamentos. Contrarian­do um comportame­nto que se manteve desde o início do regime de metas de inflação até o início de 2012, nestes últimos anos o Banco Central saiu totalmente do mercado à vista de câmbio, restringin­do suas intervençõ­es apenas ao mercado futuro. Tal procedimen­to também interfere com a taxa cambial, mas ao sair do mercado à vista gera uma situação na qual o balanço de pagamentos tem, forçosamen­te, que oscilar em torno do equilíbrio.

Quem duvidar desta proposição é convidado a tomar os dados publicados pelo Banco Central e comparar duas séries: os saldos nas contas correntes e os saldos nas contas financeira e de capitais (que incluem os investimen­tos diretos e os investimen­tos em carteira). Ficará evidente que as saídas líquidas (os déficits nas contas correntes) são quase que integralme­nte compensado­s pelas entradas líquidas (os superávits nas contas financeira e de capital), com o balanço de pagamentos gravitando em torno do equilíbrio.

Se no futuro uma escalada nos investimen­tos em capital fixo levar a um forte aumento no déficit nas contas correntes, ocorrendo ao lado de uma baixa entrada de capitais, o real tenderá a se depreciar, ocorrendo o inverso se os ingressos de capitais superarem o déficit nas contas correntes. O argumento que nunca foi entendido pelos proponente­s dos controles de capitais é que são estes ingressos que permitem financiar déficits elevados nas contas correntes, sem os quais a taxa de investimen­tos não poderia se elevar, acelerando o cresciment­o.

É pena que ideias erradas continuem sendo debatidas como se fossem verdades.

É pena que ideias erradas continuem sendo debatidas como se fossem verdades

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