LAMA, BURACO, FILA E CANSAÇO NA ESTRADA DA SOJA
Caminhoneiros enfrentam gargalo logístico para levar milhões de toneladas de grãos para exportação pelo Norte
São 7h30. No acostamento da BR-163, em Novo Progresso (PA), o tema de um grupo de caminhoneiros nem é mais sobre a situação da rodovia. Eles tentam mudar de assunto. Todos carregam soja e quase se conformam em perder pelo menos um dia parados. Passam horas em uma fila que, recentemente, chegou a 20 quilômetros. São vítimas do gargalo logístico que anualmente ocorre na principal rota de escoamento de grãos no norte do País.
No início do comboio, soldados do Exército controlam o fluxo e liberam entre 100 e 250 caminhões por vez. Não há uma frequência para que caminhões com soja sigam viagem. Carros, ônibus, caminhões com animais vivos e outros alimentos passam direto. “É uma vergonha. Um dia parado para passar esse trecho. Muita gente passa mal”, diz Aparecido Nunes.
Caminhoneiro há quase 40 anos, Nunes deixou Três Lagoas (MS) dia 5 de janeiro para “puxar” soja pela BR163 no trecho crítico da rodovia, entre Sinop (MT) e o terminal de transbordo de grãos de Miritituba (PA). Nessa viagem, ele tem a companhia de dois filhos. Por causa dos desafios do percurso, o custo do frete é o dobro em relação a trajetos semelhantes em outras regiões.
Na semana passada a reportagem do Estadão/Broadcast percorreu a BR163, ida e volta de Sinop (MT) até Itaituba (PA), num total de 2 mil km. Um trajeto de contrastes. Trechos de asfalto bem conservado logo são substituídos por outros de terra. As filas e os gargalos mudam de lugar na rodovia de acordo com um planejamento informal feito diariamente pelo Exército e tradings exportadoras para controlar o fluxo de descarregamento dos grãos em seus terminais.
Liberados do bloqueio em Novo Progresso, os caminhões percorrem mais 65 km até a serra de Moraes Almeida. No trecho de terra, outra parada, onde o Exército realiza obras de rebaixamento do morro, controla o fluxo de veículos e reboca os que não conseguem ultrapassar a terra, as pedras
e, quando chove, o barro. Na quarta-feira, a fila de dois dias antes se deslocou de Novo Progresso para lá. Havia 15 km de caminhões parados nos dois sentidos da BR-163.
Fila. Poderia ser pior. No ano passado, próximo a Bela Vista do Caracol (PA), um atoleiro parou a BR-163, nas proximidades de Bela Vista. O congestionamento superou 100 km e veículos ficaram até 20 dias parados.
Cerca de 650 caminhões, a maioria com 40 toneladas de soja, trafegam diariamente pela BR-163 na rota entre Mato Grosso e o terminal de Miritituba. Como uma viagem demora, em média, cinco dias, a estimativa é de que mais de 3 mil veículos rodem pela rodovia o ano inteiro. Em junho, a carga de soja é trocada pela de milho.
Enquanto caminhoneiros sofrem, outros lucram com esses buracos. Borracheiro no povoado de Santa Júlia, João Melo e seu funcionário Zineu da Rocha estão sempre ocupados com serviços de reparos em pneus e rodas de caminhões. Na borracharia, uma placa de isopor está cravada com parafusos perdidos por caminhões, colhidos por pneus de outros veículos e retirados por Melo e Rocha.
Os gargalos logísticos da BR-163 levaram a soja e a infraestrutura de armazenamento cada vez mais para perto de Miritituba. A Tapajós Agro iniciou a operação, este ano, de um primeiro silo de armazenagem do grão, às margens da rodovia, em uma fazenda no município de Trairão (PA), a apenas 150 km do terminal. Em 2019, a agropecuária deve cultivar mil hectares com soja. “Estamos muito perto de Miritituba e a soja vai ser a prioridade”, diz Rodrigo Dotto, gerente de Operações da Tapajós.
No terminal paraense estão cinco operações de transbordo, onde os grãos são colocados em barcaças para uma viagem de mais mil quilômetros até o Porto de Barcarena, de onde é feita a exportação.