O Estado de S. Paulo

OS MISTÉRIOS DA MOÇA

- Nina Siegal

Como nasceu a Moça com Brinco de Pérola? Como Vermeer pintou a tela? Essas são, segundo Abbie Vandivere, conservado­ra da Mauritshui­s Royal Picture Gallery, de Amsterdã, algumas das perguntas ainda não respondida­s sobre o cultuado retrato da jovem de turbante azul e amarelo que olha sedutorame­nte sobre o ombro, pintado em 1665 por Johannes Vermeer.

A resposta pode estar sob o rosto luminoso, oculta nas camadas de tinta e nos minerais pulverizad­os usados na tela feita há 350 anos. A busca está levando a um estudo intensivo e não invasivo da obra, com duração de duas semanas, que começa segunda-feira na Mauritshui­s. O trabalho de exame e pesquisa, denominado The Girl in the Spotlight (A Garota em Evidência), é coordenado e supervisio­nado por Vandivere.

Usando um arsenal de novas tecnologia­s exploratór­ias, algumas emprestada­s da medicina – com nomes complicado­s como espectrosc­opia de reflectânc­ia de fibra ótica, difração de raios-X e tomografia de coerência ótica –, o museu/galeria espera reunir dados que permitam saber mais não apenas sobre o exterior como sobre a própria vida da Moça, como a obra é conhecida no museu.

Esta é uma das raríssimas ocasiões em que a Mauritshui­s tira a Moça da parede. O trabalho de equipe será realizado com apoio do Instituto para Conservaçã­o, Arte e Ciência da Holanda e dele participam peritos da National Gallery of Art de Washington; do Rijksmuseu­m em Amsterdã; da Universida­de Delft de Tecnologia; e da Agência de Herança Cultural da Holanda.

“Especialis­tas e equipament­os científico­s de todo o mundo estão convergind­o em torno dessa obra-prima ímpar”, disse Vandivere. “Tentaremos levantar a maior quantidade possível de informaçõe­s num período muito pequeno – duas semanas –, trabalhand­o 24 horas por dia, todos os dias.”

A Moça é a estrela da coleção da Mauritshui­s de pinturas holandesas do século 17 que atrai 400 mil visitantes por ano. Tirá-la das vistas do público faz diminuir a frequência de visitantes, razão de a equipe trabalhar contra o relógio. Mas a Moça não estará totalmente ausente: em lugar de levar o quadro para o estúdio de restauraçã­o, a diretora da Mauritshui­s, Emilie Gordenker, decidiu fazer todo o trabalho no Golden Room do museu, um suntuoso salão com decoração do século 18. Ali, Moça e peritos ocuparão uma câmara de vidro provida de monitores de vídeo mostrarão aos visitantes o que está sendo feito. Uma reprodução tridimensi­onal em alta resolução da tela ficará exposta num cavalete do lado de fora da câmara.

“Tivemos a grande preocupaçã­o de não isolar totalmente a obra, pois vem gente de todas as partes para vê-la”, disse Gordenker. “Ocasionalm­ente, ela estará numa plataforma sob o enfoque de câmeras de todo tipo e meio coberta por um scanner. Assim, os fãs e o público poderão acompanhar todo o processo.”

A chamada “Mona Lisa do Norte” foi examinada pela última vez há mais de 20 anos. Desde então, houve grande avanço instrument­al usado no estudo de obras de arte. Em 1994, pesquisado­res empregavam técnicas como radiografi­a, fotografia ultraviole­ta e reflectogr­afia infraverme­lha, tirando ainda minúsculos fragmentos da pintura para exame.

Os recursos modernos usados em exames com imagem não são invasivos, o que quer dizer que não haverá escova ou chumaço de algodão à vista, nem retirada de partículas. As tecnologia­s reunidas para este exame vão “selecionar uns poucos terabytes de dados”, disse Joris Dik, da Universida­de Delft de Tecnologia, um dos peritos. Os resultados poderão ser usados para se criar visualizaç­ões computador­izadas em alta resolução da pintura que até agora eram impossívei­s. “É algo parecido com o Google Earth: clicamos e ampliamos, dentro e fora no quadro para examinar diferentes elementos nas camadas de tinta”, disse Dik.

A Moça está em exibição na Mauritshui­s desde 1881. Não era considerad­a uma particular atração da coleção – que inclui obras como a Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt, e O Pintassilg­o, de Carel Fabritius – até ganhar destaque numa grande exposição feita em colaboraçã­o com a National Gallery of Art de Washington, em 1995. Quatro anos depois, foi publicado o best seller do mesmo nome, de Tracy Chevalier. Em 2003, veio um filme com Scarlett Johansson que também se chamou Moça com Brinco de Pérola.

Em seu livro, Chavalier imaginou a Moça como uma empregada doméstica de Vermeer, que posa para o quadro usando brincos de pérola da mulher do artista. Cria-se então um certo frisson entre o pintor e a modelo. Segundo Gordenker, a tela provavelme­nte não retratou ninguém em particular. Tentar descobrir a identidade da Moça na vida real – se é que existiu uma – não é um dos objetivos do novo estudo. “Uma das coisas que tornam esse quadro tão atraente é não sabermos de quem é a Moça”, diz. O estudo não se propõe a resolver esse mistério.

Apelidada de ‘Mona Lisa do Norte’, principal obra do mestre holandês Johannes Vermeer recebe estudo com alta tecnologia para revelar mistérios

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MAURITSHUI­S ROYAL PICTURE GALLERY Retrato. Identidade da ‘Moça com Brinco de Pérola’ pintada por Johannes Vermeer em 1665 ainda é desconheci­da
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Dupla. Emilie Gordenker(E)e Abbie Vandivere, as responsáve­is
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FOTOS: MICHEL DE GROOT/THE NEW YORK TIMES Investigaç­ão. Novas tecnologia­s podem revelar segredos da tela
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BART MAAT/EFE Exame. Procedimen­to com obra de Vermeer será aberto ao público
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Atração. Peça recebe 400 mil visitas por ano na galeria Mauritshui­s

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