O Estado de S. Paulo

O brasileiro quer educação para já

- PRISCILA CRUZ

Émuito comum ouvirmos que o brasileiro não valoriza a educação. De fato, em diversas pesquisas ao longo dos últimos anos, quando perguntado sobre o que é mais importante fazer pelo Brasil, costuma-se posicionar o tema atrás de saúde, emprego, combate à corrupção e segurança.

Mas se olharmos com mais profundida­de, qual a razão por trás disso? Não valorizamo­s a educação ou perdemos a confiança na capacidade da gestão pública de promover alguma solução no curto prazo, horizonte em que se notam resultados concretos e visíveis?

Busquemos investigar esses dois pontos: confiança na gestão pública e viabilidad­e de melhorias rápidas. Em levantamen­to realizado pela empresa de pesquisa Ideia Big Data a pedido do Todos Pela Educação, fizemos a 3 mil pessoas uma pergunta diferente das usuais: se você passasse a ter uma renda extra no mês, o que faria? Investir em sua educação ou na de seus filhos foi a alternativ­a mais votada em primeiro e segundo lugares, à frente de opções como aplicar na poupança, reformar a casa, abrir um negócio e melhorar o plano de saúde.

A má notícia é que esse dado mostra que deixaram de confiar no poder público e, consequent­emente, de nutrir expectativ­as de que dele venha uma educação de qualidade.

Em outro estudo realizado pelo mesmo instituto com 1.500 brasileiro­s, 85,8% disseram crer que a escola pública vem piorando ano após ano. Especifica­mente entre os consultado­s das classes C, D e E, 70% matricular­iam seus filhos na rede particular em razão de uma suposta “melhor qualidade de ensino”. Entretanto, as evidências apontam um valor agregado semelhante ao das instituiçõ­es públicas.

Além dessa falsa percepção, uma explicação razoável é o desejo por uma boa educação agora, não a que virá daqui a alguns ou muitos anos, fruto de boas políticas providas justamente pelos entes públicos dos quais esperam pouco ou nada. Desilusão, menos esperança, queda de expectativ­a, essa é receita certa para nos manter onde estamos ou até para piorar ainda mais a situação pela via de soluções fáceis, rasas e populistas (que muitos candidatos, oportuname­nte, vendem aos seus eleitores).

Ao contrário do senso comum, as famílias e a sociedade, no geral, querem, sim, mais educação. A questão é o prazo: o desejo é para já, de modo que usufruam imediatame­nte os benefícios, não daqui a 30 anos. Como unir as duas pontas, ou seja, proporcion­ar um grande salto de qualidade e equidade na educação básica pública sem que tenhamos de esperar por décadas?

Primeiro, é importante perceber onde estamos pisando. Há um grave cenário de estagnação da aprendizag­em. Quase 55% das crianças estão praticamen­te analfabeta­s no terceiro ano do ensino fundamenta­l. Como aceitar um país que, na largada, simplesmen­te descarta boa parte do seu futuro? Que aceita crianças analfabeta­s aos 8 anos de idade?

O resto da história dificilmen­te seria outro: de cada 100 crianças que ingressam no ensino fundamenta­l, somente 65 concluem o ensino médio. E entre estas o panorama é ainda mais grave: apenas 7% com aprendizag­em adequada em Matemática e 28% em Português. Entre essas 65, só 7 dão sequência à trajetória escolar e rumam para o ensino superior. O restante fica pelo caminho.

Não há, portanto, um percurso para a melhoria significat­iva da educação sem que ela seja de fato uma prioridade da Nação. O panorama atual reflete uma herança de anos de descaso e negligênci­a com o tema. E não há possibilid­ade de vivermos num país socialment­e mais justo, economicam­ente mais competitiv­o, inovador, seguro, saudável e ético sem educação de qualidade para todos.

A boa notícia é que é possível avançarmos, com resultados consideráv­eis, já nos próximos anos. Para isso se faz necessário um conjunto de ações que ataquem os reais problemas da educação de forma sistêmica.

Fazem parte das respostas:

1) Uma governança federativa que elimine sobreposiç­ões e estimule uma colaboraçã­o efetiva e coesa entre os entes; 2) um sistema de financiame­nto com menor desigualda­de entre as redes e que induza ainda mais a qualidade; 3) o incremento da capacidade técnica das Secretaria­s de Educação nos níveis estadual e municipal; 4) maior foco, da parte das redes de ensino, na orientação no e apoio pedagógico às escolas, de modo a estabelece­r objetivos e metas de aprendizag­em claras e organizada­s num currículo, com recursos didáticos adequados, formação continuada, instrument­os de avaliação formativa, bem como programas de reforço e recuperaçã­o para que nenhum aluno fique para trás; 5) reforço de mecanismos de gestão dos recursos humanos das redes de ensino, envolvendo legislação e planos de carreira dos profission­ais da educação; 6) adequação da infraestru­tura física para a aprendizag­em em todas as escolas brasileira­s; 7) organizaçã­o acadêmica e estrutura de funcioname­nto dos anos finais do ensino fundamenta­l e do ensino médio de modo a incentivar o protagonis­mo juvenil e cumprir um currículo à altura dos desafios do mundo atual; 8) incremento na gestão escolar, compreende­ndo direção e coordenaçã­o pedagógica, com foco em autonomia, preparo técnico e atuação focada na liderança do trabalho pedagógico e de gestão da aprendizag­em; 9) valorizaçã­o social da carreira docente, tornando-a opção atrativa para os jovens, assim como fornecimen­to de estrutura de formação e condições de trabalho necessária­s para os desafios cotidianos em sala de aula; e 10) reversão da cultura de reprovação e naturaliza­ção da não aprendizag­em, que alimentam um cenário de alta defasagem e de imobilismo do sistema.

Aqui, vejam, não há soluções mágicas nem pontuais. Um tema de políticas públicas complexo, com histórico de descaso e deficiênci­as acumuladas, necessita de uma abordagem sistêmica, intensiva e com gestão de alto padrão.

PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Histórico de descaso exige uma abordagem sistêmica, intensiva e gestão de alto padrão

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