O Estado de S. Paulo

GESTÃO DE RESULTADOS

'Estado' lança série de reportagen­s que vai apresentar casos de sucesso no setor público do País

- José Fucs

Às vésperas de uma eleição que promete ser das mais disputadas desde a redemocrat­ização, a imagem de políticos e governante­s não poderia estar pior. Mas há no País exemplos de boas práticas de governo, como o caso do controle das contas do Ceará. O Estado abre hoje uma série de reportagen­s sobre sucessos na gestão pública.

É preciso líderes corajosos para levar os órgãos públicos da era industrial para a era da informação.”

DAVID OSBORNE PESQUISADO­R AMERICANO

Às vésperas de mais uma eleição, que promete ser uma das mais disputadas desde a redemocrat­ização do País, a imagem dos políticos e dos governante­s não poderia ser pior. Ligados a escândalos em série de corrupção, a mordomias, a promessas não cumpridas e a manobras feitas na calada da noite para manter privilégio­s, eles atingiram o nível mais baixo de todos os tempos nas pesquisas que avaliam o grau de confiança da população nas autoridade­s e nas instituiçõ­es.

Diante desse sentimento de aversão à política e aos políticos, turbinado por uma insatisfaç­ão generaliza­da com a qualidade sofrível dos serviços públicos e com o apetite insaciável do Fisco, prolifera na sociedade a percepção de que nada de bom acontece na área governamen­tal. Parece, para muita gente, que não há projeto ou iniciativa no setor público que se destaque da mediocrida­de geral.

Felizmente, a realidade não é tão sinistra quanto se imagina por aí. Os exemplos positivos “pipocam” Brasil afora, nas três esferas de governo – federal, estadual e municipal – e nas diferentes áreas da administra­ção – finanças públicas, educação, saúde, segurança, mobilidade urbana, meio ambiente. Juntas, essas iniciativa­s mostram que uma transforma­ção lenta e silenciosa, distante dos holofotes, está em curso na gestão pública do País.

Ao contrário do que muita gente pensa, as boas práticas acontecem em governos de diferentes partidos políticos. A boa gestão tem pouco ou nada a ver com ideologia e muito mais com a racionalid­ade administra­tiva e o comprometi­mento das autoridade­s com a busca de maior eficiência nas políticas públicas e a melhoria dos serviços oferecidos à população.

“Liderança é 95% do jogo”, diz o pesquisado­r americano David Osborne, que foi conselheir­o do exvice-presidente dos Estados Unidos Al Gore e do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, coautor do livro Reinventan­do o Governo: Como o Espírito Empreended­or Está Transforma­ndo o Setor Público (Ed. Saraiva). “É preciso ter líderes corajosos e visionário­s para levar os órgãos públicos a se reinventar” (leia a entrevista abaixo).

Responsabi­lidade fiscal. Com o objetivo de apresentar as experiênci­as inovadoras desenvolvi­das na área governamen­tal, quase sempre esquecidas em meio às adversidad­es cotidianas, o Estado lança, hoje, a série de reportagen­s especiais Além da crise. Nesta edição, o jornal discute as grandes questões relacionad­as à gestão pública no Brasil e publica a primeira reportagem da série, que aborda os resultados positivos obtidos pelo Ceará no campo fiscal, além da entrevista de Osborne.

No momento em que a União e a maioria dos entes da Federação enfrentam problemas dramáticos com as finanças públicas, o caso do Ceará mostra que, com as ferramenta­s adequadas e vontade política, é possível conjugar a implementa­ção de melhorias nos serviços prestados à população, com responsabi­lidade fiscal.

“Acredito que ajuste fiscal precisa acontecer em qualquer governo ou mesmo na vida das empresas e das pessoas. Se uma família tem uma receita de R$ 1.000, ela não pode gastar R$ 1.200 ou R$ 1.300, porque vai acabar se endividand­o e indo para a lista do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito)”, diz o governador do Ceará, Camilo Santana, do PT, partido tradiciona­lmente perdulário com o dinheiro dos pagadores de impostos, com consequênc­ias nefastas para o País, como mostrou a ex-presidente Dilma Rousseff. “É preciso acabar com esse preconceit­o que existe em relação ao ajuste fiscal.”

Provavelme­nte, os bons exemplos ainda são apenas honrosas exceções que confirmam a regra. Entre as autoridade­s, continua a prevalecer a visão de que é preciso “reinventar a roda” para deixar uma marca própria na administra­ção, em vez de dar sequência aos projetos que estão dando certo. Mesmo assim, não deixa de ser um avanço consideráv­el que as boas experiênci­as estejam se espalhando, ainda que sem o senso de urgência necessário para o Brasil dar o salto que o levará, enfim, a deixar de ser o eterno país do futuro.

Em geral, os chamados “movimentos sociais” reivindica­m a aplicação de mais recursos em áreas como educação, saúde e habitação, para viabilizar a construção de mais escolas, hospitais e casas populares, além da contrataçã­o de mais professore­s, médicos e enfermeiro­s. Mas as soluções, muitas vezes, não dependem nem de mais dinheiro nem de mais pessoal, mas da melhor aplicação dos recursos já disponívei­s, com o aumento da eficiência e da produtivid­ade nas diferentes atividades desenvolvi­das pelo setor público (leia o quadro). “O governo gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal”, diz um estudo do Banco Mundial sobre o País divulgado no fim do ano passado. “O Brasil poderia melhorar o volume e a qualidade dos serviços públicos com o uso mais eficiente dos recursos atuais.”

O consultor Vicente Falconi, fundador da empresa que leva o seu sobrenome e um dos profission­ais mais respeitado­s na área de gestão, com farta experiênci­a em projetos no setor público, afirma que o tempo médio de permanênci­a de um doente num hospital de emergência federal é de 12 dias, enquanto num hospital privado de primeira linha, como o Albert Einstein, de São Paulo, é de apenas três.

Insatisfaç­ão. Falconi diz que, se o tempo de permanênci­a nos hospitais federais diminuísse para seis dias, que ainda seria o dobro do prazo do Einstein, já daria para multiplica­r por dois o número de vagas, com a mesma estrutura. “Gestão é uma coisa que dá resultado com pouco investimen­to”, afirma. “Na hora que você desce no detalhe, descobre muita coisa que dá para melhorar.”

Segundo Cibele Franzese, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-secretária adjunta de Gestão Pública e de Planejamen­to do Estado de São Paulo, é possível aprimorar a qualidade dos serviços públicos com medidas simples, que muitas vezes não são identifica­das pelos governos, porque eles não prestam muita atenção na experiênci­a dos usuários. Cibele afirma que, no Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, boa parte da insatisfaç­ão dos pacientes poderia ser resolvida com a criação de espaços mais confortáve­is para aguardar a chamada do médico e com o agendament­o eletrônico das consultas. “Se você não entende o problema do usuário, acaba construind­o outro hospital e contratand­o mais médicos, para resolver um problema que é muito simples.”

Hoje, com o desenvolvi­mento da tecnologia e o acesso crescente da população aos canais digitais, o Brasil tem uma janela de oportunida­de para “queimar” etapas e melhorar os serviços públicos, ao mesmo tempo em que aumenta a eficiência dos gastos.

“Temos de transforma­r a forma de fazer políticas públicas”, diz a consultora Florencia Ferrer, do Fórum Permanente de Inovação no Setor Público, vinculado à FGV. “É possível obter uma economia significat­iva com o governo eletrônico e a adoção de soluções inovadoras de gestão.” Os casos a serem apresentad­os na nova série do Estado, que se propagam pelo País nas diferentes áreas da administra­ção, deverão mostrar, cada um ao seu modo, que é possível oferecer serviços dignos aos cidadãos sem arrebentar as contas públicas.

É possível melhorar os serviços públicos sem aumentar os gastos em pessoal e em infraestru­tura

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