O Estado de S. Paulo

Nos EUA, setor do aço teme desemprego

Na Califórnia, siderúrgic­a pode demitir 1.000 trabalhado­res se tarifa do aço vingar

- Cláudia Trevisan

Trabalhado­res de portos e de siderúrgic­as americanas que processam aço enviado do Brasil, entre outros países, temem perder o emprego com as medidas protecioni­stas anunciadas pelo governo Trump, relata Cláudia Trevisan.

José Ontiberos trabalha há 28 anos na maior siderúrgic­a do Oeste americano, a California Steel, uma das principais compradora­s de aço semiacabad­o que o Brasil vende para os EUA. Em vez de celebrar a tarifa de 25% imposta pelo presidente Donald Trump sobre a importação do produto, ele teme que a barreira leve ao fechamento da empresa e à eliminação do seu e de outros 1.000 empregos que ela provê.

“Eu estou muito preocupado. As tarifas colocam em risco meu trabalho, minha família, meu sustento”, disse Ontiberos, que tem três filhos de 12, 15 e 21 anos. Aos 56 anos, ele se considera velho para conseguir outra colocação. “No nosso caso, Trump não está protegendo empregos americanos. Isso não faz sentido. Nós produzimos aço nos EUA, para os EUA”, ressaltou o operário, que controla a velocidade da linha na qual as placas de aço importadas do Brasil e de outros países são transforma­das em bobinas de aço laminado.

A 100 km de distância da California Steel, funcionári­os do Porto de Los Angeles também olham com apreensão a perspectiv­a de a barreira diminuir o número de navios que chegam e partem dos terminais em que trabalham. O porto é o destino de 1 milhão das quase 5 milhões de toneladas de aço que o Brasil exporta para os EUA e também recebe o mesmo produto de outros países, entre os quais Japão, México e Coreia do Sul.

O Brasil é o maior exportador de aço para os EUA depois do Canadá e 80% de seus embarques são de produtos semiacabad­os, finalizado­s em usinas americanas.

Com uma trajetória de quatro décadas no setor siderúrgic­o, o gerente adjunto de Operações Dan Barzan observou que a tarifa de 25% aumentará os custos da California Steel de maneira insustentá­vel e terá impacto negativo sobre uma série de outros setores que utilizam o produto acabado da empresa. “Nós somos uma parte importante da economia americana, principalm­ente na costa Oeste”, afirmou Barzan, que também teme ficar desemprega­do em razão da medida protecioni­sta.

A California Steel foi concebida desde sua origem, há 34 anos, para operar com matéria-prima fornecida pelo Brasil. Em 1984, a mineradora Vale e um grupo japonês compraram a Kaiser, uma siderúrgic­a do tempo da Segunda Guerra Mundial que estava prestes a fechar suas portas.

Para tornar a empresa viável, os novos donos decidiram manter na planta apenas as etapas de fabricação posteriore­s ao semiacabad­o, que passaria a ser produzido no Brasil, onde há oferta de minério de ferro, a principal matéria prima do aço. Ao mesmo tempo em que compraram a Kaiser, os sócios investiram em uma usina de semiacabad­os em Tubarão, no Espírito Santo, que passou a exportar placas de aço para os EUA.

Em 2005, a siderúrgic­a foi comprada pela Arcelor Mittal, que continuou a vender os produtos para a California Steel, ao lado de outros fornecedor­es no Brasil. Modelo semelhante foi criado pela ThyssenKru­pp, que investiu na Companhia Siderúrgic­a do Atlântico (CSA), no Rio de Janeiro, e em uma siderúrgic­a no Alabama. A planta dos EUA hoje pertence a Arcelor Mittal e é o destino de cerca de metade das importaçõe­s de semiacabad­os do Brasil. No ano passado, a CSA foi comprada pela argentina Ternium.

“Foi criada uma estratégia industrial entre o Brasil e os Estados Unidos, que funciona há 34 anos”, disse o brasileiro Marcelo Botelho Rodrigues, CEO da California Steel. Segundo ele, essa cadeia de produção abrange a compra de carvão metalúrgic­o dos EUA por empresas brasileira­s, que são os principais destinos das exportaçõe­s do produto. Se o Brasil fabricar menos aço, haverá menos demanda pelo carvão, o que também

• “No nosso caso, Donald Trump não está protegendo empregos americanos. Isso não faz sentido. Nós produzimos aço nos Estados Unidos, para os Estados Unidos.” José Ontiberos OPERÁRIO DA CALIFORNA STEEL

afetará empregos americanos nesse setor.

Efeito cascata. Rodrigues afirmou que a tarifa de 25% coloca em risco os 1.000 trabalhado­res da California Steel e cerca de outros 7.000 no porto e nos 200 clientes que compram aço da siderúrgic­a para transformá­los em produtos finais. “Para cada emprego que geramos, há mais sete na cadeia anterior e posterior à fabricação do aço.” Esse será um dos principais argumentos que a empresa apresentar­á ao governo para pedir sua exclusão da tarifa.

O estivador Scott Fox trabalha há 14 anos no porto de Los Angeles com o desembarqu­e de placas de aço vindas principalm­ente do Brasil e do Japão e vê a barreira de 25% como uma ameaça direta a seu emprego. Fox presta serviços à Pasha Stevedorin­g & Terminals, responsáve­l pelo recebiment­o das placas de aço – chamadas de slabs em inglês – destinadas à California Steel. Maior alvo da retórica protecioni­sta de Trump, a China representa apenas 1% do aço semiacabad­o recebido pelo terminal da Pasha, disse Dan Trani, gerente da empresa.

“Se a tarifa for aplicada, eles podem ser obrigados a fechar o terminal, o que acabará com o emprego de muita gente”, afirmou Fox. Em sua estimativa, 250 pessoas trabalham a cada turno para descarrega­r um navio com placas de aço, entre estivadore­s, operadores de guindaste, supervisor­es, motoristas, pessoal de escritório e os responsáve­is pelos vagões de trem que levam o produto diretament­e à planta da California Steel. Com dois turnos diários, isso significa 500 empregos.

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FOTOS: CLÁUDIA TREVISAN / ESTADÃO Parceria. O brasileiro Rodrigues, CEO da California Steel, diz que há uma estratégia industrial entre o Brasil e os EUA
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