O Estado de S. Paulo

Espinha quebrada

A magra inflação não surpreende­u. Já era esperada. Mas pode indicar uma novidade.

- CELSO MING

Amagra inflação (apenas 0,32%), a mais baixa em meses de fevereiro dos últimos 18 anos, só não surpreende­u porque já era esperada. Mas pode indicar novidades. Também este 2018 aponta para uma inflação anual em torno de 3% (veja o gráfico). Quem se lembra de inflação mais baixa no Brasil ponha o dedo aqui.

A principal dessas novidades é a de que provavelme­nte esteja sendo quebrada a chamada inflação estrutural. Boa parte da inflação brasileira acontece por inércia. Os fazedores de preços vinham remarcando suas mercadoria­s e serviços conforme a inflação anterior, não importando aí se reduziram ou não seus custos de produção. Essa é a principal escrita que pode estar sendo quebrada.

Como assim? Se esse jogo remarcatór­io é bastante espalhado, ou seja, se todos – fornecedor­es, produtores e vendedores – se comportam assim, ninguém perde o freguês porque está vendendo mais caro, o concorrent­e também faz a mesma coisa.

E é isso que parece ter mudado, não só porque o Banco Central fez um bom trabalho na sua política monetária (política de juros), mas porque a recessão e a perda de renda nos meses anteriores levaram o consumidor a comprar menos ou a adiar suas compras. Um sinal de que isso está acontecend­o é o fato de que, por alguns meses seguidos, a baixa da inflação está bem espalhada pela cesta de consumo; não está concentrad­a em um punhado de itens.

Deve ter contribuíd­o para a quebra da inércia inflacioná­ria o uso mais intensivo da tecnologia de informação e dos aplicativo­s que dispensara­m pessoal e aumentaram a rotativida­de da mão de obra e contiveram o aumento da massa salarial.

Dois exemplos podem deixar isso mais claro: na medida em que o cliente pode movimentar sua conta no banco e pagar seus carnês por meio do celular e da internet, toda a rede bancária passou a reduzir o número de agências (ou a criar menos) e a contratar menos pessoal. E, na medida em que crescem as compras de mercadoria­s e serviços por meio do celular e da internet (e-commerce), o comércio não precisa de tantos vendedores e caixas, tampouco os prestadore­s de serviços precisam de tantos atendentes.

Nessas condições, não só caem os custos de produção, como, também, o empresário que remarca seus preços à moda antiga passa a correr mais risco de ver encalhada sua mercadoria ou de encontrar menor demanda por seus serviços. Além disso, a política de juros ganha eficácia e o Banco Central pode derrubar os juros a níveis mais baixos do que o padrão anterior exigia, quando a inércia inflacioná­ria tinha mais força.

Três outros fatores que se reforçaram uns aos outros parecem ter ajudado a quebrar a espinha da inflação. O primeiro deles é a forte queda dos custos de produção no mundo inteiro em consequênc­ia do maior uso de tecnologia, que barateou mercadoria­s e serviços e derrubou a inflação para abaixo de 2% ao ano nos países industrial­izados. O segundo é a queda pela metade dos preços internacio­nais do petróleo, a partir de meados de 2014, que reduziu os custos globais da energia e do transporte. E o terceiro é a maior integração global das cadeias produtivas, que deu maior eficácia à produção e à distribuiç­ão.

Não está claro, ainda, até que ponto acabou a inflação estrutural do Brasil. Vai que ela levou uma paulada e está apenas desacordad­a, mas, mais à frente, se levantará lépida para continuar a destruir renda. O próprio Banco Central tem dúvidas sobre o que de fato está acontecend­o. Duas vezes já anunciou o fim do ciclo de baixa dos juros e duas vezes foi, e está sendo, obrigado a continuar a passar a tesoura nos juros, bem mais rente do que tinha imaginado. (Veja o gráfico ao lado.)

A principal razão para desconfiar de que ainda há mais pregos a serem batidos no caixão da inflação é a forte desorganiz­ação das contas públicas do Brasil: quando o Estado gasta mais do que pode acaba produzindo inflação.

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