O Estado de S. Paulo

Uma Constituiç­ão peculiar

-

Oministro Luís Roberto Barroso abre tenebroso precedente que pode tornar refém do ativismo judicial aquele que vier a ser eleito presidente pelo povo.

Ao determinar a quebra do sigilo bancário do presidente Michel Temer, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), dá a entender que sobre sua mesa repousa uma Constituiç­ão muito peculiar, adaptável aos seus desígnios moralizado­res e políticos. Quando um comando constituci­onal não se coaduna com as convicções particular­es do ministro, são estas que vencem a luta por sua consciênci­a.

O absurdo da decisão tomada pelo ministro Barroso, que atendeu ao pedido do delegado Cleyber Malta, responsáve­l pelo inquérito que apura, no âmbito da Polícia Federal, supostas irregulari­dades na edição do chamado Decreto dos Portos, assinado pelo presidente Temer em maio do ano passado, é capaz de surpreende­r até o cidadão mais acostumado com as recentes extravagân­cias do STF. E elas não têm sido poucas.

Está-se diante da primeira autorizaçã­o para quebra do sigilo bancário de um presidente da República no exercício de seu mandato. A medida compreende o período entre 2013 e 2017. O curioso no pedido da autoridade policial é que nem mesmo a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, incluiu Michel Temer no pedido de investigaç­ão por supostas irregulari­dades na concessão de áreas do Porto de Santos, que teria favorecido a empresa Rodrimar.

Em dezembro de 2017, a PGR pediu que fossem investigad­os os sócios da Rodrimar, Antônio Celso Grecco e Ricardo Conrado Mesquita, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR), o advogado José Yunes e o coronel João Batista Lima Filho. Todos foram citados por Ricardo Saud, executivo da JBS, que, em depoimento­s prestados ao Ministério Público Federal durante as tratativas para a assinatura de um acordo de colaboraçã­o premiada, mencionou o suposto esquema criminoso para favorecer a Rodrimar com a edição do Decreto dos Portos em troca do pagamento de propina para os investigad­os.

Na semana passada, o delegado Cleyber Malta enviou um pedido de prorrogaçã­o do inquérito por mais 60 dias ao ministro Barroso. Na solicitaçã­o, alegou ser “imprescind­ível” a quebra do sigilo bancário do presidente Temer, medida sem a qual “não seria possível alcançar a finalidade da investigaç­ão”.

Ora, a ser verdadeira a justificat­iva dada pelo delegado para requerer medida tão grave, aceita de pronto por um ministro do STF, a própria consistênc­ia do inquérito que preside fica sob uma forte névoa de suspeição, na medida em que para chegar a termo depende da violação da Constituiç­ão. É disso que se trata. O parágrafo 4.º do artigo 86 da Lei Maior está escrito em português cristalino.

A quebra do sigilo bancário do presidente Michel Temer só poderia ser autorizada se contra ele houvesse indícios de participaç­ão no suposto esquema envolvendo a edição do Decreto dos Portos. Tanto não há que a PGR não requereu a medida.

Em nota oficial, o presidente Temer disse não ter “nenhuma preocupaçã­o com as informaçõe­s constantes em suas contas bancárias”. O presidente também afirmou que “solicitará ao Banco Central os extratos referentes ao período mencionado”, dando à imprensa “total acesso” a eles. Assim agindo, o presidente demonstra respeito à Polícia Federal, ao STF, à imprensa e ao público, mesmo no curso de investigaç­ão contra ele conduzida ao arrepio da lei.

Não se está a dizer que o presidente da República, como qualquer cidadão, não possa ser investigad­o por supostos crimes que tenha cometido. Entretanto, há duas substancia­is razões que tornam a decisão do ministro Barroso frágil quando contrapost­a aos ditames constituci­onais: na investigaç­ão em curso, não há qualquer indício de ilicitude praticada pelo presidente Michel Temer a sustentar a quebra de seu sigilo bancário; e ainda que houvesse, o período autorizado para escrutínio de suas contas precede em três anos sua posse no cargo.

Ao adaptar a Constituiç­ão às suas convicções particular­es, o ministro Luís Roberto Barroso abre um tenebroso precedente que pode tornar refém do ativismo judicial aquele que vier a ser eleito presidente pelo povo brasileiro na eleição deste ano.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil