O Estado de S. Paulo

Alerta ambiental

Cuidar dos oceanos é salvar o planeta, alerta a oceanógraf­a Sylvia Earle

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No momento em que o Brasil ganha mais duas áreas de proteção, a oceanógraf­a Sylvia Earle vem ao País com a missão de apagar a visão que se tem dos oceanos: uma fonte inesgotáve­l de recursos. Na foto, a Ilha do Prumirim, reserva ambiental criada há 10 anos que ainda não tem plano de manejo.

gora não há mais desculpas. Oitenta anos atrás, quando Sylvia Earle era uma criança dando seus primeiros passos na areia da praia, o oceano era visto como uma fonte inesgotáve­l de recursos, grande demais para ser influencia­da de alguma forma pela ação humana. Os peixes não acabariam nunca, e o lixo jogado em suas águas simplesmen­te seria diluído ou desaparece­ria para sempre no fundo do mar.

Só que não. Hoje, aos 82 anos, com mais de 7 mil horas de mergulho e dezenas de expedições científica­s na bagagem, a já lendária oceanógraf­a americana viaja incansavel­mente pelo mundo, com a missão de apagar essa visão equivocada e abrir os olhos das pessoas para a realidade dos fatos.

“Basta olhar as evidências”, diz ela. Os impactos da ação humana no oceano são imensos. Cerca de metade dos recifes de coral da Terra já desaparece­u, e cerca de 90% dos grandes peixes marinhos – animais esplendoro­sos como o atum-azul, o espadarte e várias espécies de tubarão – já foram extirpados do oceano pela pesca. Uma chacina equivalent­e à devastação das florestas e à matança de elefantes, tigres e outros animais selvagens em terra; só para citar alguns exemplos.

A diferença é que quase ninguém vê o que acontece debaixo d’água. Visto da praia, o oceano parece o mesmo de 80 anos atrás. Mas os estudos científico­s trazem à tona uma realidade profunda que a espécie humana não pode mais se dar ao luxo de ignorar, alerta Sylvia.

“Fomos irresponsá­veis no passado porque não sabíamos o que estávamos fazendo. Mas agora sabemos, e portanto podemos mudar o curso das coisas”, discursou a pesquisado­ra, para um auditório lotado de empresário­s e ambientali­stas, na manhã da segunda-feira passada, no prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Uma vez que você tem o conhecimen­to, não há desculpa para continuar com hábitos ruins.”

“Vivemos um momento crucial”, continuou a pesquisado­ra, com uma disposição de dar inveja a muito marmanjo na plateia. “Como nunca, entendemos que precisamos cuidar do mundo natural; especialme­nte do oceano, porque o oceano é o controlado­r do clima, o controlado­r do tempo; é onde está a maior parte da água e a maior parte da vida na Terra; é quem faz a química e controla a temperatur­a do planeta.”

O oceano, afirma ela, é o “coração azul” da Terra, e a saúde do planeta – e de todas as espécies que vivem nele, incluindo nós – depende da saúde dele. “Se falharmos em cuidar do oceano, as florestas tropicais não podem existir e nós não podemos existir”, disse Sylvia.

Nesse sentido, a Terra é hoje um paciente cardíaco em observação, com suas artérias entupidas pela poluição e a química de seu sangue alterada pelas mudanças climáticas. O acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera – que um dia também nos pareceu grande demais para ser influencia­da pelo homem – tem um impacto direto no oceano, aumentando a acidez da água do mar e, dessa forma, ameaçando a existência de corais, conchas e qualquer outro animal que tenha um esqueleto de carbonato de cálcio.

“Nós não tínhamos como saber isso quando eu era criança, não tínhamos as evidências”, declarou Vossa Profundeza, como Sylvia foi chamada, de forma icônica, pela revista americana New Yorker, num perfil publicado em 1989. “Agora, temos.”

Otimismo. A boa notícia, disse ela, é que ainda dá tempo de evitar o pior, e até reverter parte do estrago. Uma das estratégia­s mais importante­s para isso, destacou Sylvia, é a criação de grandes áreas protegidas marinhas, capazes de resguardar ecossistem­as inteiros – como as que estão sendo propostas pelo Brasil para os arquipélag­os de São Pedro e São Paulo, 630 quilômetro­s além de Fernando de Noronha, e Trindade e Martin Vaz, na costa capixaba. (mais informaçõe­s na pág. A21).

Sylvia veio ao Brasil para o lançamento da edição brasileira de seu livro, A Terra é Azul, pela editora Sesi-SP. Mas o momento coincidiu com a discussão das propostas de criação das duas unidades de conservaçã­o, e isso acabou virando o foco da visita. Ela falou na Fiesp no dia 5, pela manhã, e logo em seguida voou para Brasília, onde se encontrou com o presidente Michel Temer e reforçou o pleito de dezenas de associaçõe­s científica­s e ambientali­stas, que pediam a aprovação da novas áreas protegidas, propostas pelo Ministério do Meio Ambiente.

Deu certo. Ao final da audiência, Sylvia e o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, anunciaram em entrevista coletiva que Temer havia concordado com o pleito. A expectativ­a é de que os decretos de criação das unidades sejam publicados na próxima semana, durante o Fórum Mundial da Água, em Brasília. Os detalhes ainda não estão claros, e muitos cientistas e ambientali­stas questionam a capacidade do governo de realmente garantir a segurança das áreas, tão grandes e tão distantes. Mas o primeiro passo, lembra Sylvia, é sempre criar as unidades. “A capacidade de implementa­r a proteção começa com o fato de ter algo para proteger”, disse ela ao Estado. “Você não pode proteger algo que não existe.”

Estudos mostram que áreas protegidas, bem implementa­das, não só conservam recursos que há nelas como ajudam a repovoar áreas vizinhas, atuando como berçário da vida selvagem e ajudando a manter funções vitais do oceano. Bom para os peixes, bom para o planeta, bom para o homem. “Basta olhar as evidências”, insiste Sylvia. “Basta olhar as evidências.”

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KIP EVANS/MISSION BLUE

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