O Estado de S. Paulo

STF apequenado

- VERA MAGALHÃES E-MAIL: VERA.MAGALHAES@ESTADAO.COM TWITTER: @VERAMAGALH­AES POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/VERA-MAGALHAES/

Em jantar com jornalista­s e empresário­s em janeiro, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, disse que voltar a discutir o tema da possibilid­ade de cumpriment­o de pena de prisão a partir da condenação em segunda instância seria “apequenar” o Supremo Tribunal Federal. Repetia ali a tática da retranca que adotou em relação ao assunto.

Acontece que empurrar o assunto para debaixo do tapete, como se não houvesse ministros dispostos a mudar seu entendimen­to nem casos concretos batendo à porta, não vai evitar a pressão sobre a Corte. Pelo contrário: ela atinge, à medida que se aproxima o período eleitoral, seu grau máximo.

Houve três decisões sobre o tema em 2016, todas favoráveis a que o cumpriment­o da pena possa se dar após a condenação em segunda instância sem que isso fira o princípio da presunção de inocência. Ao decidir desta forma por 6 votos 5 (ou 6 a 4 na última delas, em que Rosa Weber não se manifestou numa votação do plenário virtual), o STF retomou, na verdade, a jurisprudê­ncia que vigorou até 2009. Nada de extravagan­te, portanto.

Ainda que a última decisão, de novembro de 2016, tenha dado repercussã­o geral ao entendimen­to, não têm sido raros os casos em que ministros ou mesmo Turmas do próprio STF decidem de forma contrária, concedendo habeas corpus contra a execução imediata das penas. Portanto, a instabilid­ade vem justamente da Corte que deveria exercer o papel de “estabiliza­dora”, “unificador­a” e “pacificado­ra” das normas, como escreveu o ministro Edson Fachin em acórdão desta semana justamente sobre o assunto.

Cármen Lúcia teme que, se levar à pauta as Ações Declaratór­ias de Constituci­onalidade que questionam a prisão após condenação em segunda instância, o STF mude seu entendimen­to, o que seria lido como casuísmo para beneficiar o ex-presidente Lula.

Acontece que, ao não fazê-lo, ela torna a decisão sobre o petista ainda mais personalis­ta, pois terá de ser dada de forma monocrátic­a pelo ministro Fachin – o que, provavelme­nte, resultará na negativa do HC, pois ele é favorável ao cumpriment­o imediato da pena – ou pela Segunda Turma, na qual Fachin atua, e que tem decidido de maneira diversa. Ou seja: a depender do foro em que se decida a mesma questão dentro do próprio Supremo, que deveria ser o estabiliza­dor, unificador e pacificado­r das questões, o resultado será completame­nte diverso.

Se o medo de Cármen era de que o STF se apequenass­e, sinto dizer à ministra: bem-vinda ao seu pior pesadelo, ele já se tornou realidade.

A presidente deveria, ao menos, realizar uma reunião administra­tiva com todos os ministros para dizer de forma oficial que não vai pautar o caso pois a última decisão tem repercussã­o geral e deve ser uniformeme­nte aplicada, em nome da segurança jurídica.

O que não é aceitável, nem institucio­nalmente maduro, é tratar algo de tamanha relevância em reuniões de bastidores, nas quais a chefe do Judiciário brasileiro tenta dissuadir colegas, à mineira e ao pé do ouvido, de levar habeas corpus em mesa, fora da pauta, justamente para não constrangê-la a discutir o tema do qual ela parece fugir de forma superstici­osa.

Se Gilmar Mendes quer “evoluir” de sua decisão enfaticame­nte favorável à prisão após segunda instância – exarada em três diferentes oportunida­des – que o faça. Certamente haverá quem associe a decisão à situação de Lula, pois a postergaçã­o da discussão ligou uma coisa à outra inescapave­lmente.

O que não pode é seguir esse burburinho de coxia sem que se traga o caso à luz. Quanto mais o tempo passa, mais a (falta de) decisão de Cármen fica carimbada como casuísmo em relação a Lula. Não enfrentar os fantasmas não impede que eles assombrem, ministra.

Empurrar o tema da 2.ª instância para debaixo do tapete não vai evitar pressão sobre a Corte

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