O Estado de S. Paulo

‘Candidatur­a Temer é encenação, obra do marketing oficial’

Senador e pré-candidato do Podemos afirma que acusação de suborno em CPI é ‘uma armação descabida e vingança’

- Julia Lindner /

Pré-candidato do Podemos à Presidênci­a, o senador Alvaro Dias (PR) possui mais de quatro décadas de vida pública, mas tem dito ser uma alternativ­a para “romper com o sistema político vigente”. Em pesquisas recentes de intenção de voto, aparece com 6% no melhor dos cenários.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele afirma se encaixar no perfil esperado pela população: um nome com “experiênci­a na gestão pública e que tem passado limpo”. O senador chegou a ser citado na delação da Odebrecht, mas a denúncia foi arquivada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin. O caso, segundo o relator da Lava Jato, se tratava de suspeitas já prescritas ocorridas no período em que o político era governador do Paraná, entre 1987 e 1991.

Como pré-candidato, ele diz que vai focar sua campanha no primeiro turno no Sul, Sudeste e Centro-Oeste e disputar o eleitorado com nomes do centro, como o governador tucano Geraldo Alckmin. “Não sou anti-Alckmin, sou antissiste­ma.” Alvaro Dias chama de “surreal” eventual candidatur­a do presidente Michel Temer.

• O que o motivou a se lançar como pré-candidato?

O Brasil vive um momento crucial para seu futuro e as pessoas consciente­s devem contribuir na política ou fora dela. A participaç­ão agora, o protagonis­mo, é questão de responsabi­lidade. O País está mergulhado num oceano de dificuldad­e e a escolha infeliz pode significar a reedição dessa tragédia.

• O que seria a escolha infeliz?

Algo que fuja aos pressupost­os básicos: experiênci­a administra­tiva e passado limpo. A escolha adequada é aquela que possibilit­e uma ruptura com o sistema atual, que fracassou e levou o País ao caos administra­tivo. O Estado brasileiro cresceu exageradam­ente, empobreceu como gestão, porque os partidos passaram a indicar com objetivos escusos, sem critérios de competênci­a, probidade, e se estabelece­u relação de promiscuid­ade entre os poderes. O Brasil ficou desarrumad­o e a necessidad­e de arrumação passa pela refundação da República.

• A revista Veja traz informação de que a Polícia Federal obteve cópia de e-mail do empresário Samir Assad para a Odebrecht no qual este afirma que o senhor pediu R$ 5 milhões para não levar adiante a CPI que apurava as atividades do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em 2012. O que o senhor diz sobre essa acusação?

É uma armação descabida porque, para quem acompanhou o meu desempenho nessa CPI, isso soa como uma vingança. Porque na verdade fui eu que criei os problemas todos, encaminhei para a PF, inclusive, um relatório bastante robusto mostrando os caminhos das pedras, de onde saiu o dinheiro, para onde ia, as empresas laranjas, que eram criadas inclusive por esse cidadão, que não me lembro de ter visto. Teve uma matéria da Veja anterior à CPI

em que interpelei judicialme­nte o (empresário Fernando) Cavendish (ex-dono da Delta Construçõe­s) porque ele disse de forma totalmente irresponsá­vel que ele comprava senadores e eu pedi que ele dissesse quem eram os senadores.

• Por que o senhor poderia representa­r um ruptura do sistema?

Sempre fui contestado­r da chamada velha política. Por isso, quase sempre fiquei desconfort­ável no ambiente partidário, razão das várias mudanças de siglas. Digo que nunca mudei de partido, e sim de sigla, porque partidos não temos, e mudei de sigla à procura de um partido que não encontrei até hoje. Agora me encontro num movimento. Mudei de sigla para não barganhar meus princípios. Em 2010, imaginei que alguém propusesse ruptura; em 2014, também, mas não aconteceu, então me senti no dever de fazer isso.

• De que forma isso seria feito?

Nossa proposta é de substituiç­ão desse sistema com todas as consequênc­ias, redução do tamanho do Estado, do Legislativ­o e eliminação de privilégio­s. Também defendo reformas essenciais: a reforma política, do Estado, federativa, tributária e previdenci­ária. Elas devem estar colocadas para debate e deliberaçã­o nos primeiros 100 dias de governo, porque assim você traz o calor das urnas.

• Mesmo no PSDB, durante boa parte da gestão do governo FHC o senhor atuou como oposição.

Na verdade, durante os 42 anos de mandato que já exerci só fui governo quando governei o Paraná, obviamente, e depois sete meses no segundo mandato do FHC. De resto, fui oposição justamente por não compactuar com o modelo da barganha permanente. Quando Lula se elegeu, eu estava no PDT, tinha deixado o PSDB em razão de uma trombada com o partido, porque participei de um movimento que pretendia instalar CPI para investigar corrupção, e isso não foi absorvido pelo partido. Acabei indo para o PDT, e assim que Lula se elegeu e o PDT foi para o governo, eu me retirei. É um comportame­nto bem diferente da maioria dos políticos brasileiro­s, cuja cultura é do fisiologis­mo. Nós vemos os políticos sempre como manadas de elefantes correndo para a sombra do poder. Por isso, me sinto autorizado a propor essa ruptura.

• E mesmo tendo essa trajetória na política passando por partidos tradiciona­is, o senhor acha que pode ser visto como alternativ­a a esse modelo?

A sociedade não está buscando o candidato alternativ­o, mas o modelo alternativ­o, e quer identifica­r quem tem mais condições de dar sustentaçã­o ao modelo novo. Creio que a experiênci­a administra­tiva será da maior valia para o sucesso dessa empreitada.

• Como é ser oposição atualmente ao governo Temer? Com o cenário embaralhad­o é mais difícil?

Sim, é uma postura de complexida­de porque, como nós defendemos o impeachmen­t da ex-presidente Dilma (Rousseff), há aqueles que admitem responsabi­lidade em relação ao sucessor. Eu defendia o impeachmen­t completo, foi a gota d’água, inclusive que transbordo­u e fez com que eu deixasse o PSDB (pela segunda vez), que tinha posicionam­ento de aliança com o MDB. Eu advogava pelo impeachmen­t também do presidente (Temer). Por isso, vejo o atual governo como o mesmo governo, o mesmo conjunto de agentes públicos administra­ndo o País, que foram sócios da tragédia.

• O senhor acredita na candidatur­a do presidente Michel Temer?

Seria surreal uma candidatur­a do presidente Temer com a rejeição. Eu não creio. Acho que é apenas uma encenação, obra do marketing oficial para garantir sobrevivên­cia até o final do mandato.

• Em relação aos outros candidatos, o senhor acha que tende para uma radicaliza­ção?

A bipolariza­ção fica para o segundo turno. No primeiro turno teremos a pulverizaç­ão, o debate de ideias. A disputa da extrema esquerda com a extrema direita se esgotou. Os brasileiro­s exigem dose mais forte de pragmatism­o em vez dessa discussão esquizofrê­nica entre extrema esquerda e extrema direita. Que briguem os extremados, mas a maioria dos brasileiro­s deseja equilíbrio.

• Acha que Geraldo Alckmin pode crescer nas pesquisas mesmo após escândalos de corrupção envolvendo o PSDB?

É essencial a substituiç­ão desse sistema. Não se trata de condenar pessoas, mas de substituir um sistema que fracassou, que empurrou o País para essa tragédia. Não é só o caso do Alckmin. Esse sistema foi implantado em Brasília e foi clonado e transplant­ado para Estados e municípios de um modo geral. Não sou anti-Alckmin, sou antissiste­ma.

• Sem Lula, como o sr. vê a esquerda?

A esquerda ficou abalada, vai ter de procurar um plano B. A esquerda inicia o processo fragilizad­a, acredito que haverá uma pulverizaç­ão e esses votos poderão migrar para outras candidatur­as.

• Como viabilizar a candidatur­a em um partido de menor expressão como o Podemos?

Acho que a imprensa vai oferecer espaço para o debate e nós teremos oportunida­de de compensar eventual desigualda­de de tempo no horário gratuito da TV e do rádio. Não podemos compromete­r nossa proposta com essa ambição de tempo maior para apresentaç­ão da mensagem na campanha. Podemos fazer aliança desde que não desvirtue nossa proposta, não traga incoerênci­a.

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DIDA SAMPAIO/ESTADAO Podemos. Pré-candidato à Presidênci­a, senador Alvaro Dias (PR) exerce cargos eletivos há mais de 40 anos, sempre se colocando no campo da oposição

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