O Estado de S. Paulo

GOVERNADO PELO PT, CEARÁ VIRA EXEMPLO DE CONTROLE FISCAL

Com as contas públicas equilibrad­as, o Estado desafia as ideias do partido e mostra que austeridad­e traz benefícios à população

- / J.F.

A Escola Estadual de Educação Profission­al Jaime Alencar de Oliveira, localizada numa área carente e marcada pela violência no bairro de Luciano Cavalcante, na zona leste de Fortaleza, é uma espécie de cartão de visita do governo do Ceará. É para lá que são levados os forasteiro­s interessad­os em conhecer o modelo desenvolvi­do pelo Estado para ser implementa­do nas escolas públicas profission­alizantes de nível médio, que se multiplica­ram pelo Ceará nos últimos anos.

Inaugurada em 2013, a escola atende 520 alunos em período integral, das 7h10 às 16h, e serve café da manhã, almoço e lanche para a turma. Além das disciplina­s do currículo regular, oferece cursos técnicos, como eletromecâ­nica, manutenção automotiva e multimídia, e tem laboratóri­os bem equipados de biologia, química, física e informátic­a, no padrão dos melhores colégios privados do País.

Os estudantes também têm aulas de empreended­orismo, nas quais montam um negócio próprio, e recebem orientaçõe­s sobre o mundo do trabalho e projeto de vida, para ajudá-los a escolher o que pretendem fazer depois. No último ano, têm de fazer um estágio de, no mínimo, 300 horas, pelo qual recebem cerca de R$ 400 por mês, em empresas que firmaram parcerias com a escola. Nesse período, as aulas vão até 11h30, para que eles possam se dedicar ao estágio depois do almoço.

“Minha mãe queria muito que eu estudasse aqui”, diz Samara dos Santos Coutinho, de 17 anos, que está no terceiro ano do curso de multimídia, no qual aprende a usar os programas gráficos Photoshop e Illustrato­r, entre outras atividades. “O que aprendi aqui tenho certeza de que não aprenderia em outras escolas. É como se fosse outro mundo.”

Embora a EEEP Jaime Alencar seja uma exceção entre as escolas públicas cearenses, mesmo consideran­do que a educação no Ceará se tornou uma referência nacional, ela simboliza os crescentes investimen­tos que o Estado tem realizado na área social e em projetos de infraestru­tura, com as polpudas sobras de caixa acumuladas recentemen­te. Com o setor público enfrentand­o enormes dificuldad­es em todo o País, com gastos que, em muitos casos, superam de longe a arrecadaçã­o, o Ceará exibe um resultado invejável em suas contas, o que lhe confere uma capacidade de investimen­to inusitada no Brasil de hoje.

Segundo o Ranking de Competitiv­idade dos Estados de 2017, elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com o apoio da Tendências Consultori­a Integrada e da Economist Intelligen­ce Unit (EIU), o Ceará ocupa o primeiro lugar no quesito “solidez fiscal”, que leva em conta seis indicadore­s financeiro­s, entre as 27 unidades da Federação. Ocupa também a liderança no indicador “capacidade de investimen­to”, um dos que influencia­m a avaliação fiscal dos Estados. “O resultado obtido pelo Ceará não é algo ocasional”, diz o economista Adriano Pitoli, diretor da área de análise setorial e inteligênc­ia de mercado da Tendências. “É um trabalho sério, que vem sendo construído ao longo dos anos.”

‘Equipe focada’. Em outro estudo sobre o cenário financeiro estadual, realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também em 2017, o Ceará aparece mais uma vez com a melhor situação fiscal, levandoem contaosgas­toscompess­oal,adívidapúb­lica,adisponibi­lidadedeca­ixa e o volume de investimen­tos, em relação à receita corrente líquida. Fic-outambém emprimeiro lugar na lista dos Estados com o maior volume de investimen­tos em relação à arrecadaçã­o, com índice de 11,1%, odobro da média nacional (veja os gráficos abaixo).

“A gente tem uma equipe muito focada nessa coisa de controle e de eficiência do gasto”, diz o governador Camilo Santana. “Agora, o mais importante é que, além de ter as contas controlada­s, o Ceará é o que mais investe, emespecial nas áreas de educação, saúde, segurança e na melhoria dos serviços públicos, que é o que a população nos cobra.”

Apesar do progresso recente, o Ceará ainda está bem distante dos polos mais desenvolvi­dos do País. O salto dado pelo Estado, porém, é notável e pode ser atribuído, em boa medida, à continuida­de administra­tiva e à boa gestão

fiscal realizada ao longo de vários governos, ligados a diferentes partidos. Desde o fim dos anos 1980, com o ex-governador Tasso Jereissati, do PSDB, até hoje, com Camilo Santana, do PT, passando pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, atualmente no PDT, o Ceará tem mantido, com raros desvios pelo caminho, uma louvável política de gestão. Como, no Brasil, os governos que entram costumam desfazer tudo o que os governos que saem fizeram, independen­temente do mérito dos projetos, trata-se de uma conquista e tanto.

Ironicamen­te, a boa gestão fiscal do Ceará desenrolou-se, quase toda, em governos de esquerda e manteve-se agora no governo do PT, que costuma fazer oposição cerrada à responsabi­lidade fiscal e defender o aumento sem lastro dos gastos públicos, paraalavan­caraeconom­ia. Não por acaso, Jereissati, hoje senador pelo PSDB, diz que o atual governador “é o mais tucano dos petistas”. “A União, quando tem déficit, pode emitir moeda e títulos públicos, e aprovar uma lei noCongress­oparaavali­zaroresult­ado negativo”, diz Santana. “Aqui, isso não é possível.”

De acordo com o secretário da Fazenda, Mauro Benevides Filho, que está no cargo desde 2007 e antes foi secretário de Administra­ção e do Planejamen­to e chefe da Casa Civil em diferentes gestões, a fórmula do sucesso é simples, embora poucos a coloquem em prática no País: maximizar a receita,

sem subir impostos, e controlar com rigor os gastos.

Previdênci­a. Em 2016, o Ceará aprovou a sua PEC dos Gastos para limitar as despesas públicas, por um período de cinco anos, em vez dos 20 aprovados pelo governo federal. Além disso, a PEC do Ceará, embalada como Emenda Constituci­onal do Cresciment­o Sustentáve­l, estabelece­u o controle das despesas de pessoal e de custeio da máquina administra­tiva, mas deixou de fora o investimen­to, a educação e a saúde. O governo do Estado ainda conseguiu aprovar na Assembleia Legislativ­a a elevação da alíquota previdenci­ária dos servidores de 11% para 14%, além de ter reduzido os incentivos fiscais e não ter implementa­do o Refis (programa de refinancia­mento de dívidas tributária­s), como outros Estados.

Surpreende­ntemente, o Ceará fez tudo isso sem enfrentar greves de servidores. Na visão de alguns analistas, o governo do Estado, por ser ligado ao PT, conta com a complacênc­ia dos chamados “movimentos sociais”. O governo cearense, porém, diz que a razão para a trégua está no “diálogo” mantido com as entidades. “Procuramos mostrar que o ajuste é bom e gera recursos para investimen­to”, afirma Benevides Filho. Segundo ele, o ajuste fiscal não deve ser um fim em si mesmo. “É fácil parar o investimen­to, em vez de cortar gastos com pessoal e custeio, mas o investimen­to é a mola propulsora do cresciment­o econômico.”

O governo estadual aprovou aumento de alíquota da Previdênci­a dos servidores de 11% para 14%

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EDIMAR SOARES / ESTADÃO Referência. A estudante Samara, na escola Jaime Alencar, em Fortaleza, favorecida por investimen­to público: ‘Outro mundo’

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