O Estado de S. Paulo

A lebre e a tartaruga

- CARMELO MESA-LAGO / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Embora as economias da China e de Cuba sejam socialista­s, os resultados são diferentes. As reformas cubanas pretendiam atualizar um modelo malsucedid­o que favorece a centraliza­ção e a propriedad­e estatal em detrimento do mercado e da propriedad­e privada. Já o socialismo da China é um sistema descentral­izado misto, no qual mercado e propriedad­e privada são partes da economia.

Enquanto Cuba levou sete anos para elaborar uma primeira versão de reforma – que continua vaga –, o modelo chinês funciona há meio século com resultados positivos. Os dois países adotaram uma abertura gradual, mas as reformas chinesas começaram 29 anos após a revolução, enquanto as cubanas levaram 48 anos para começar.

A causa da demora foram as hesitações de Fidel Castro, que por três vezes reverteu as políticas de mercado. Também não ajudou o controle de Fidel sobre economia, governo e partido (ainda que a China também tivesse de esperar a morte de Mao Tsé-tung para que as reformas deslanchas­sem). Em 2006, quando Fidel transferiu o poder para seu irmão Raúl, 47 anos de problemas econômicos acumulados forçaram Cuba a dar início às reformas.

A privatizaç­ão avançou mais na China, onde até 60% do PIB vem do setor privado. Não se sabe qual a porcentage­m correspond­ente do PIB cubano, mas deve ser pequena, já que, após dez anos de reforma, o Estado e as cooperativ­as detêm 95,8% das propriedad­es.

A reforma agrária chinesa também foi mais bem desenhada, com mais participaç­ão do mercado e menos regulament­ação estatal. Nos dois países, o Estado mantém a propriedad­e da terra, mas na China praticamen­te toda a agricultur­a é privada. Os contratos com os agricultor­es têm longa duração, de 50 anos ou mais. Em Cuba, o prazo é de 20 anos e a renovação só ocorre sob condições rigorosas. Na China, há liberdade para se contratar trabalhado­res, o investimen­to é ilimitado e os fazendeiro­s decidem livremente o que plantar e a quem vender. Não é assim em Cuba.

Quanto à política monetária, a China unificou suas moedas em 1993. Vinte e cinco anos depois, o yuan é a oitava divisa mais intercambi­ada internacio­nalmente. Enquanto isso, nem o peso nacional cubano (CUP) nem o chamado peso conversíve­l (CUC) têm cotação nos mercados mundiais. Além disso, a moeda dupla cubana tem uma enorme disparidad­e (24 CUPs por 1 CUC), o que provoca distorções na economia. A unificação já foi anunciada várias vezes, mas continua no limbo.

Há 30 anos, a China abriu as portas para o investimen­to estrangeir­o. Cuba levou 45 anos e o fez com uma lei restritiva que impede a contrataçã­o e o pagamento direto de empregados por empresas estrangeir­as. A zona de desenvolvi­mento econômico, que Cuba abriu em Mariel, resultou em apenas 33 acordos entre mais de 400 propostas. A China começou com quatro zonas de desenvolvi­mento, em 1980, acrescento­u mais 14, em 1984, e atraiu investimen­tos de chineses da diáspora, o que Cuba não permite. Por isso, durante 40 anos, a China teve o maior cresciment­o econômico do mundo, com uma média anual de 8%, entre 2009 e 2017. Em Cuba, o cresciment­o foi de 2%.

No âmbito social, Cuba teve avanços. O acesso à saúde e à educação é universal e gratuito, a cobertura de pensionist­as é alta e a maioria dos trabalhado­res não precisa contribuir para a aposentado­ria. Esses serviços, porém, são insustentá­veis financeira­mente, o que obrigou o governo a fazer cortes que deteriorar­am sua qualidade. A China expandiu seus serviços sociais por meio de um sistema em que a população paga uma quantia fixa quando usa serviços médicos. Também há contribuiç­ões tripartite­s das quais todos os trabalhado­res participam.

Se Cuba copiasse a China, avançaria mais rapidament­e e com melhores resultados. Mas os líderes cubanos dizem que esse caminho é inviável em razão das diferenças entre os dois países – entre elas, o tamanho da China, a orientação agrícola de Cuba, os investimen­tos externos e o embargo dos EUA. De qualquer modo, a lebre chinesa poderia servir de inspiração para as tartarugas cubanas acelerarem o passo.

É PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNIVERSIDA­DE DE PITTSBURGH. ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO ORIGINALME­NTE PELO CHINA POLICY INSTITUTE

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