O Estado de S. Paulo

A Europa deveria estar preocupada

Populistas emergem da eleição como maior força política da Itália, que segue rapidament­e na direção de problemas

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Aeleição estava destinada a ser confusa. Mas, em 4 de março, os eleitores italianos se saíram com um resultado que superou as piores previsões e lançaram um panorama sombrio, não só sobre a Itália, mas também para o restante da União Europeia.

Ambas as Câmaras do Parlamento estão em suspenso, sem uma maneira fácil ou rápida para que qualquer lado alcance maioria. Mais alarmante é que metade dos eleitores – cansados do desemprego alto, da estagnação de salários, da imigração descontrol­ada e de uma classe política interessei­ra – votou nos dois principais partidos populistas, o Movimento 5 Estrelas (M5S) e a Liga Norte. Ambos são hostis à UE e especialme­nte ao euro. E ambos fizeram campanha com base

em generosas promessas fiscais e de gastos que a Itália não tem como pagar.

Matematica­mente, nenhum governo pode ser formado sem um dos dois. O Partido Democrata (PD), que estava no poder, perdeu bem mais da metade de seus assentos, eliminando a opção de uma coalizão centrista. A derrota do PD deve-se, em parte, a uma repreensão à arrogância de seu líder, Matteo Renzi, que tentava mais uma vez tornar-se primeiro-ministro, apesar de perder um referendo sobre uma reforma constituci­onal, em 2016. No entanto, o voto também é uma rejeição à tentativa de reforma econômica do PD, algo que a Itália precisa, mas aparenteme­nte não pode tolerar.

O PD pode ainda desempenha­r o papel de “fazedor de reis”. Mas os reis

disponívei­s são preocupant­es. O M5S apoia uma inviável renda mínima universal e quer sucatear a reforma das aposentado­rias. Seu nebuloso objetivo inclui a transforma­ção da Itália em uma democracia digital direta. Ele é liderado por um jovem de 31 anos sem qualquer experiênci­a administra­tiva e deve um ligeiramen­te obscuro grau de fidelidade ao seu fundador, Beppe Grillo, um comediante de meio período que começou sua carreira política com o grito de “Vaffanculo!” (Vai tomar no c...!) para o establishm­ent.

O outro rei não é mais atraente. A aliança de direita que conquistou 37% dos votos é dominada por Matteo Salvini, líder da Liga Norte, cujo partido ultrapasso­u o Força Itália, liderado por Silvio Berlusconi, ex-primeiromi­nistro que já consideram­os “inadequado para liderar a Itália”.

Salvini mudou para a Liga, que antes defendia a secessão do rico norte do país. O partido de extrema direita é aliado da Frente Nacional, de Marine Le Pen, na França. Salvini chamou o euro de “crime contra a humanidade” e ameaçou a deportação em massa de imigrantes que estão presos em um limbo italiano porque ninguém mais na Europa os deixa entrar. Ele também defende um imposto único de 15% capaz de destruir qualquer orçamento.

Para o PD, a escolha é entre cicuta e cianeto. Mas, rejeitar dar um apoio, mesmo que limitado, a qualquer um dos dois, traz o risco de uma possibilid­ade ainda mais horrível: uma aliança entre a Liga e o M5S. Por enquanto, isso parece improvável. A hostilidad­e tradiciona­l da Liga com o sul do país, mais pobre, onde o M5S é mais forte, dificulta o pacto. Mas, a menos que o PD faça um acordo com alguém, isso ainda pode acontecer.

Diante do impasse, o presidente, Sergio Mattarella, poderia nomear um governo tecnocráti­co de curta duração. Ou os italianos podem ser convocados a votar novamente. Nenhuma das opções resolverá grande coisa. Uma maquinação para manter de fora os populistas só os fortalecer­á.

Melhor seria expor suas promessas vazias, dando-lhes alguma responsabi­lidade de governar. Seja qual for o resultado, as finanças públicas da Itália, provavelme­nte, se enfraquece­rão, enquanto os problemas estruturai­s que derrubaram a produtivid­ade e o cresciment­o permanecer­ão sem tratamento.

Populistas. Este lúgubre resultado será sentido em toda a Europa, onde o surgimento de populistas e o enfraqueci­mento dos partidos tradiciona­is tornou-se tema. Na Alemanha, no fim de semana, os centristas agarraram-se ao poder, depois que membros do Partido Social-Democrata aprovaram uma nova “grande coalizão” com os democratas-cristãos, de Angela Merkel.

O acordo de coalizão inclui medidas para reforçar a governança da zona do euro, potencialm­ente proporcion­ando mais dinheiro para infraestru­tura, apoio fiscal permanente para o mecanismo de resolução para bancos europeus problemáti­cos e dinheiro para auxiliar na reforma estrutural.

Este programa sempre foi difícil de ser aceito pelos frugais europeus do norte da Alemanha. À luz do voto da Itália, em razão da irresponsa­bilidade, isso se tornou muito mais difícil. Quantos alemães querem assumir mais responsabi­lidades para que os italianos possam se aposentar mais cedo?

A terceira maior economia da zona do euro tem baixo cresciment­o e dívida pública de cerca de 130% do PIB. Também é grande demais para ser socorrida. A Itália impõe um risco sistêmico ao euro, a menos que aceite reformar a si própria. Mas, diante os indícios do fim de semana passado, não conseguirá.

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GIAN MATTIA D'ALBERTO/AP-10/1/2014 No topo. Salvini (D), líder da Liga, aparece ao lado de Toni Iwobi, porta-voz para a imigração do partido extremista, durante entrevista em Milão

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