O Estado de S. Paulo

Em 10 meses, intervençã­o no Rio pode ‘estancar descontrol­e’

Especialis­tas veem chance de lançar bases para reestrutur­ação futura na segurança, mas há quem não acredite em legado

- Marco Antônio Carvalho

Em pouco mais de dez meses, o intervento­r federal na segurança do Rio, general Walter Braga Netto, poderá “estancar o descontrol­e” no setor e lançar bases para uma reestrutur­ação mais significat­iva a médio e longo prazo, dizem especialis­tas ouvidos pelo Estado. Mas a opinião não é unânime. Há quem acredite que a decisão de intervir no Rio não será eficaz em nenhum aspecto nem deixará legado.

Na lista do que especialis­tas acreditam ser exequível até o fim do ano, quando a intervençã­o chegará ao fim, está recuperar a capacidade operaciona­l das polícias, com manutenção de viaturas e armas. Outras tarefas possíveis são melhorar a gestão das corporaçõe­s, para reduzir a influência política; e estruturar um plano de segurança que possa ser abraçado pelo futuro governador.

Ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e professor da Universida­de de Brasília (UnB), Arthur Trindade diz que, em termos de implementa­ção de políticas públicas, dez meses é pouco tempo. É possível, porém, caminhar para resolver problemas emergencia­is.

“A curto prazo, há de se recuperar o poder operaciona­l das polícias, coisa que o general está fazendo. A PM tem metade das suas viaturas encostadas. A intervençã­o poderá permitir que se use recursos federais para colocar essa frota para rodar novamente, além de retomar contratos de manutenção.”

Segundo Trindade, apesar das tentativas anteriores de usar dinheiro federal para esse tipo de custeio, a legislação barrava. Isso acabou alterado com o novo decreto de intervençã­o.

Na reserva da PM fluminense e presidente da Associação de Oficiais, o coronel Carlos Fernando Ferreira Belo pede foco para os problemas estruturai­s da corporação. “O efetivo está bastante defasado e necessitad­o de armamento, munição e colete balístico.” Belo cita ainda a necessidad­e de se pagar o 13.º salário da tropa, que está pendente. “Ainda que tenha vindo de forma tardia, esperamos e confiamos que a intervençã­o terá o pensamento positivo voltado para atender a essas demandas.”

Outro que demonstra entusiasmo com a possibilid­ade de mudança é o fundador da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes. Para ele, o mérito da iniciativa é “reverter a tendência negativa”. “A intervençã­o tem o potencial de ser catalisado­ra de recursos, forças e opiniões positivas. Mas ela só será bem sucedida se conseguir criar um ambiente que levante nossos olhos mais para frente, pensando também nos próximos cinco e dez anos.”

Para Fernandes, é fundamenta­l que até dezembro as autoridade­s das Forças Armadas abram caminho para uma política de segurança “distante de um ambiente de descontrol­e.”

“É muito importante que a intervençã­o passe a noção de que é possível fazer segurança respeitand­o os direitos coletivos e individuai­s das pessoas. Estávamos na regra do descalabro, com violência para todo lado.”

Para Trindade, no entanto, não basta que a gestão atue focada no “planejamen­to operaciona­l de emprego de policiamen­to”, ou seja, se preocupe apenas com a região em que os policiais vão atuar e o tipo de operações vão desempenha­r.

O professor destaca a importânci­a de haver um plano de atuação mais amplo, com definição de responsabi­lidades de cada ente da área. “O intervento­r poderia puxar para si essa responsabi­lidade, constituin­do um grupo de trabalho supraparti­dário e elaborar um plano”, diz. “No Rio, já se tentou de tudo: acordos tácitos com o crime organizado, UPP (Unidade de Polícia Pacificado­ra), operações, Exército. Mas não se tentou um plano que não seja um Power Point.”

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que reúne pesquisado­res da área e policiais, diz que o primeiro feito é afetar positivame­nte a sensação de segurança. Para ser eficaz, além de colocar viaturas nas ruas, diz, os intervento­res deverão definir regras claras de gestão para as duas polícias, “terminando com as indicações políticas e o desvio de efetivo para tribunais”. “Se isso for feito, com a definição de indicadore­s de desempenho e regras claras para concurso interno, mudaria a forma como a segurança pública é feita no Estado”, diz ele. Lima acredita que o intervento­r Braga Netto tem a força necessária para dizer “não” a políticos. Mas, de acordo com ele, isso não basta. O especialis­ta destaca a necessidad­e de definir critérios de escolha dos comandante­s.

Discordânc­ia. Nem todos acreditam em melhorias. O pesqui-

sador do Laboratóri­o de Análise da Violência da Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) João Trajano Sento-Sé classifica a intervençã­o como “um desastre”. “Ações como essas consomem muitos recursos sem promover nenhum impacto na segurança do Estado. A curto prazo, talvez haja melhoria na sensação de segurança, mas isso é curto e por si só não justifica a medida. Do ponto de vista das populações mais vulnerávei­s, a intervençã­o é desastrosa.”

Para ele, em dez meses dá para lançar eventuais bases de um programa de cooperação entre as polícias federais e estaduais. “Isso nunca foi tentado, sempre foi negligenci­ado. Somos reféns da repetição do mesmo.”

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO Medida. Tropas atuarão até o fim do ano

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