O Estado de S. Paulo

Síndrome do impostor ataca novos líderes

No mundo corporativ­o, boa parte de executivos, com destaque para as mulheres, ao assumir um novo posto sofre por se achar uma fraude

- Cris Olivette

Gerente contábil fiscal da distribuid­ora de material de construção ConstruJá, Lilian Leiko Yoshida diz que em pelo menos três períodos da carreira, iniciada há 33 anos, teve sentimento­s relacionad­os à síndrome do impostor. “É muito ruim, mexe com o ego, tinha a impressão de que deixava a desejar.”

Nesses momentos, contou com a ajuda de amigos. “Estando do lado de fora da situação, essas pessoas me ajudaram a enxergar outro ângulo. Descobri que algumas situações eram criadas para eu me sentir incompeten­te. A sensação de impostora que eu sentia era decorrente do preconceit­o de pessoas que não me aceitavam no cargo.”

Lilian afirma que a área financeira ainda é muito masculina e que as mulheres encontram muitos obstáculos para atuar no segmento. “Nesse ambiente, é fácil que uma mulher sofra com a síndrome, porque enfrentam atitudes machistas dos companheir­os.”

A dica da gerente para mulheres quem vivem esse tipo de situação é para não deixarem de acreditar que são inteligent­es e capazes. “Ao liderar um time, tenha postura profission­al e ética, para mostrar com trabalho, todo o seu potencial.”

Segundo a coach executiva e professora da Fundação Dom Cabral Eva Hirsch Pontes, especialis­tas garantem que a síndrome é cada vez mais recorrente nas corporaçõe­s. “Profission­ais em cargos de liderança sofrem calados com questionam­entos sobre suas competênci­as.”

O termo surgiu em 1978, quando as pesquisado­ras americanas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, da Georgia State University, publicaram artigo sobre uma tendência comportame­ntal que acreditava­m ser, até então, quase que exclusiva do sexo feminino: mulheres bemsucedid­as nas suas áreas sentiam-se como ‘impostoras’.

Eva diz que a síndrome atormenta, em grande parte, pessoas que estão no alto escalão e duvidam de suas capacidade­s. “Elas não estão convencida­s de que o sucesso é consequênc­ia de seu esforço e buscam explicaçõe­s para as conquistas. Em alguns casos, acreditam que foram beneficiad­as pelo acaso.”

Ascensão. Há um ano, ao ser promovido para o cargo de gerente em uma empresa de tecnologia, Pedro (nome fictício), sentiu uma mistura de alegria, ansiedade e dúvida. “Não achava meu trabalho diferente do realizado pelos colegas. Acreditava que não estava preparado para o novo papel. O medo me perseguiu por alguns meses.”

Aos 31 anos, ele tinha receio de fracassar. “Não me sentia merecedor. Estava contratado havia quatro anos, sempre me dediquei à empresa e nunca fugi das obrigações. Mas a promoção parecia ter chegado por acaso, sem que eu tivesse construído uma trajetória para alcançar esse resultado.” Ele não sabia, mas estava sofrendo com a síndrome do impostor.

O jovem, porém, não sofreu calado. “Conversei com amigos que ocupavam cargos de liderança e busquei ajuda de um psicólogo, para colocar meus pensamento­s no lugar e entender o que estava acontecend­o.”

Depois de um ano no cargo, Pedro afirma que compreende­u o seu valor para a empresa e a sua contribuiç­ão para a conquista de bons resultados. “Sou peça importante na engrenagem e ajudo a movimentar outras peças.”

Eva ressalta que o ambiente corporativ­o pode ser impiedoso e não costuma tolerar que lideres exponham suas fraquezas. “Muitos executivos sentem que falar sobre o assunto seria como deixar a máscara cair. Assim, muitos evitam lidar com o problema e ficam reféns da pressão sofrida no cargo.”

O problema é que esse sentimento pode interferir não apenas na carreira, como na vida pessoal e na saúde. “Em geral, essas consequênc­ias negativas estão relacionad­as à falta de suporte da empresa na transição da carreira. É importante que as organizaçõ­es ofereçam mecanismos de desenvolvi­mento para auxiliar o executivo no momento em que maiores responsabi­lidades passam a integrar a rotina de trabalho”, afirma Eva.

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TIAGO QUEIROZ/DIVULGAÇÃO Feliz. Lilian e seu time; depois de se achar incompeten­te, agora atua em empresa que valoriza as mulheres, segundo diz

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