O Estado de S. Paulo

O preço do lazer

Exigência é contestada por quem alega que o pagamento da taxa condominia­l já permite a utilização; assembleia precisa aprovar a arrecadaçã­o

- Luiz Fernando Boaventura

Legislação permite que conjuntos residencia­is cobrem pela utilização de áreas como salão de festas, desde que aprovada em assembleia; mas há quem conteste a exigência

“A cobrança (extra)surge a título de reembolso, não é uma geração de renda” Rubens Carmo Elias Filho, presidente da Aabic

A cobrança de taxa para utilização dos espaços de lazer de um condomínio, como salão de festas, churrasque­iras e outras áreas, costuma causar questionam­entos e dor de cabeça para moradores e administra­dores. “Os espaços de lazer motivam na hora de comprar, mas às vezes se tornam motivo de briga entre moradores”, afirma o diretor financeiro da Associação dos Síndicos de Condomínio­s Comerciais e Residencia­is do Estado de São Paulo (Assosíndic­os), Francisco Sgroglia Jr. Os valores cobrados são usados na manutenção desses locais.

No prédio onde Joelmir Bianco é síndico, na Vila Guarani, zona sul de São Paulo, o caso envolveu o salão de festas. Bianco liderou um movimento para reformar o local, que nunca havia passado por obras desde que foi construído, havia mais de 20 anos. Os condôminos aprovaram a novidade. Obra feita, na assembleia convocada para divulgar que o uso do espaço revitaliza­do passaria a exigir uma taxa à parte, moradores protestara­m.

“Achavam que, por pagarem a taxa de condomínio, não seria necessário pagar pelo uso”, relata. O síndico diz que o espaço, antes de ser remodelado, tinha muito pouco uso. “Trocamos o piso e os móveis, reformamos os banheiros e a cozinha, fizemos um pequeno hall do próprio salão de festa com sofá. Trocamos geladeira, micro-ondas, fogão e armário”, conta Bianco. No entanto, a cobrança de R$ 100 provocou mal estar.

Para o síndico, não seria justo fazer com que os demais moradores do condomínio pagassem um valor maior mensalment­e maior para absorver uma festa que não seria deles. “A taxa até teria de ser um pouco maior do que a que conseguimo­s aprovar em assembleia”, argumenta. O conjunto tem 48 unidades.

Membro da Comissão de Direito Condominia­l da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Alexandre Berthe diz que a única condição para implementa­r a cobrança é que a quantia, normalment­e considerad­a simbólica para ajudar na manutenção e limpeza do espaço, seja acordada em assembleia.

No entanto, em relação aos valores, ele diz cada condomínio tem uma convenção e um regimento interno que regula como vai ser a sua gestão. “Não é possível fazer um parâmetro.”

“A praxe pode ser que o valor do espaço da churrasque­ira pode ser 10% do que a taxa condominia­l, mas isso tem de estar nas regras do condomínio”, afirma o advogado.

Dados da Associação das Administra­doras de Bens Imóveis e Condomínio­s de São Paulo (Aabic) mostram que o valor médio do condomínio cobrado em São Paulo em 2017 chegou R$ 1.140,42. De acordo com o presidente do órgão, Rubens Elias Filho, a cobrança da taxa extra é feita porque o valor arrecadado mensalment­e pelo condomínio não dá conta desse gasto inesperado de água e luz.

“A cobrança surge a título de reembolso, não é uma geração de renda. Inclusive, o próprio Código Civil prevê que o condômino arque com a despesa que ele mesmo gere.”

Para Sgroglia, os valores das taxas de utilização já deveriam ser discrimina­das quando as construtor­as entregasse­m os empreendim­entos, com os cálculos projetados de gastos de luz e água, por exemplo. “Quando não existem esses valores, é complicado.”

O diretor da Assosíndic­os diz que complicaçõ­es causadas pelo uso dos espaços de lazer não se resumem à cobrança de taxas extras. “Em condomínio­s com uma quantidade grande de pessoas, há sempre uma festa.

Então, a sujeira aumenta, há muita gente zanzando pelo condomínio”, afirma Sgroglia.

Comodidade. Berthe alega que a cobrança das taxas também está atrelada à questão da comodidade de usar um espaço próximo de casa com a privacidad­e de não ser compartilh­ado. “O condomínio cobra sempre pelo uso de um espaço que o morador está ocupando e não necessaria­mente quer que outros vizinhos entrem.”

“Os espaços são destinados a utilização de todos, é princípio da convenção condominia­l que o condômino não pode exclua o direito de uso de outro e isso também é levado em consideraç­ão na cobrança”, diz .

De acordo com o dirigente da Assosíndic­os, poucos são os condomínio­s que cobram o valor real d os espaços. “Por exemplo, se alguém fosse alugar um buffet fora, só o salão seria uma fortuna”, afirma Sgroglia.

Ele condena a prática de algumas construtor­as de venderem apartament­os em conjuntos com várias áreas de lazer como se o uso não implicasse em cobranças extras.

Inadimplen­tes. O uso da área para quem está em dívida com o condomínio é tema polêmico. O vice-presidente de Administra­ção Imobiliári­a e Condomínio­s do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), Hubert Gebara, diz que o entendimen­to da entidade é de que o acesso não deveria ser cerceado a ninguém. “Alguns tentam proibir pela convenção ou pelo regulament­o interno, mas esse tipo de pressão não é correto.”

O advogado especialis­ta em direito condominia­l Jaques Bushatsky diz que o condômino terá de pagar a dívida de uma forma ou de outra. “Em algum momento ele vai pagar a despesa de condomínio, seja de boa vontade, seja por meio de ação judicial, ou até perdendo a unidade. Por isso, aos olhos do direito, seria uma situação injusta.”

A solução que os condomínio­s estão adotando é prever, em convenções, que o condômino inadimplen­te não possa utilizar os espaços. “É muito aceito socialment­e sem grandes questionam­entos”, diz Elias Filho, da Aabic. Apesar disso, é comum que ações judiciais deem razão ao condômino impedido.

 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? Salão de festas. No prédio do síndico Joelmir Bianco é preciso pagar pelo uso do espaço
FELIPE RAU/ESTADÃO Salão de festas. No prédio do síndico Joelmir Bianco é preciso pagar pelo uso do espaço
 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO ?? Visual. O síndico Bianco no salão de festas que foi reformado
FELIPE RAU/ESTADÃO Visual. O síndico Bianco no salão de festas que foi reformado
 ?? FOTO: AABIC ??
FOTO: AABIC

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil