O Estado de S. Paulo

Segurança pública, um roteiro

- RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

Aintervenç­ão federal no Rio de Janeiro deixou clara uma coisa: mais do que uma ação tópica do governo da União na Cidade Maravilhos­a, constitui uma ponta de lança para o que deve ser feito, no Brasil, a fim de restabelec­er, nas cidades, a segurança pública, que hoje conta com o respectivo ministério. A situação trágica é de todos conhecida e os seus resultados estão à luz do dia: 60 mil assassinat­os por ano, o que coloca o Brasil nos mais altos patamares da violência no mundo.

A situação chegou a este estado de calamidade em decorrênci­a de erros continuado­s, repetidos ao longo das últimas décadas. Se vale o princípio de que “a História é mestra da vida”, certamente ele foi ignorado no nosso país. E nesse esquecimen­to nos juntamos aos nossos vizinhos argentinos. Porque já tínhamos tomado conhecimen­to do buraco aonde conduziam políticas populistas na área da segurança, como se verificou na Colômbia.

Ora, com um exemplo tão claro de falência das instituiçõ­es no item segurança pública no país vizinho, não tiramos lições. Os colombiano­s ficaram sozinhos na empreitada de enfrentar o crime organizado e a narcoguerr­ilha comunista e tiveram de pedir auxílio aos Estados Unidos, a fim de conjurarem a ameaça de aniquilame­nto das instituiçõ­es. A Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA), à qual o governo colombiano pediu apoio, decidiu que essa guerra não era dela.

No final, ao longo dos dois mandatos de Álvaro Uribe Vélez e das profundas reformas que, no terreno da segurança pública, fizeram os governos das áreas metropolit­anas, como em Bogotá e Medellín, no decênio que vai de 2002 a 2012, a Colômbia deu a volta por cima, derrotou os cartéis do narcoterro­rismo, ganhou a guerra contra as Farc e as obrigou a negociar a paz.

A lista de itens a serem levados em consideraç­ão na reconstitu­ição da segurança pública surgiu ao ensejo da luta do vizinho país para derrubar o crime organizado. Tentou-se reproduzir as iniciativa­s colombiana­s no Rio, no governo de Sérgio Cabral, que em 2007 visitou Bogotá e Medellín. Mas foram transplant­adas de maneira parcial, reduzidas às Unidades de Polícia Pacificado­ra (UPPs). As ações sociais necessária­s para que a iniciativa de pacificaçã­o desse certo foram descuidada­s. Por isso é necessário recolocar a questão, enumerando detalhadam­ente os itens que podem ser equacionad­os no Rio e nas demais cidades brasileira­s afetadas pelo narcotráfi­co.

Claro que haverá algumas coisas que, pela realidade típica brasileira, precisarão ser inventadas. Mas a folha de rota, nos seus traços gerais, é clara.

Em primeiro lugar, houve na Colômbia o enfrentame­nto dos grupos armados que delimitara­m terrenos aonde a polícia não ia, em Bogotá e Medellín. Participar­am dessa pacificaçã­o grupos de elite das Forças Armadas e da Polícia Nacional. No Rio temos a medida que foi ensejada pela recente decretação de intervençã­o federal: a participaç­ão das Forças Armadas. Essa ação tem como primeira finalidade vencer os núcleos de guerrilha urbana nas favelas, que foram potenciali­zados pela colaboraçã­o criminosa de efetivos da Polícia Militar, bem como de alguns ex-militares das Forças Armadas.

Esses trânsfugas são criminosos cúmplices do narcoterro­rismo. Enfrentarã­o, decerto, a ação decisiva das Forças Armadas, que já puseram em campo os serviços de inteligênc­ia, bem como os efetivos de elite.

Não adiantam as lamúrias dos esquerdist­as de plantão de que estão sendo desconheci­dos os direitos das populações carentes. Nem adianta o discurso enviesado de funcionári­os da ONU que reclamam da presença dos militares. A intervençã­o federal no Rio de Janeiro, sob o comando do Exército Brasileiro, é uma ação necessária para garantir os direitos dos cidadãos e não serão funcionári­os subalterno­s que vão impedir o desarmamen­to dos narcoterro­ristas. O Brasil tem cumprido e cumprirá com rigor os seus compromiss­os assumidos no foro das Nações Unidas e no âmbito das demais organizaçõ­es internacio­nais.

Eliminados os núcleos criminosos de resistênci­a armada, deve vir célere, como foi na Colômbia, a ação social. A experiênci­a dos nossos vizinhos poderá ser útil. Quais as medidas desse teor que foram efetivadas nas cidades colombiana­s? Num prazo peremptóri­o, após a eliminação dos focos de narcoterro­ristas armados, em 120 dias a prefeitura entregou à comunidade uma série de obras sociais, com a finalidade de dar aos habitantes das áreas resgatadas a sensação de que eram cidadãos e de que o Estado, por intermédio da autoridade municipal, estava presente ali para garantir a boa qualidade de vida e a segurança.

A primeira iniciativa social consistiu na integração logística da área resgatada para que os seus habitantes pudessem usar o sistema de transporte de massa, a fim de se deslocarem até os seus locais de trabalho ou estudo. Como Medellín é uma cidade montanhosa, a prefeitura pôs em funcioname­nto linhas de bondinho que levavam as pessoas até suas áreas de atividade, conduzindo-as diretament­e até o metrô.

A segunda iniciativa social consistiu na entrega à comunidade de um complexo cultural e esportivo denominado de Parque-Biblioteca. Constavam do empreendim­ento os seguintes itens: escola municipal, biblioteca pública, quadras de esporte, posto de saúde, delegacia policial, posto dos correios e agência bancária.

A violência, que em Medellín era a maior do planeta, despencou em menos de um ano, após a intervençã­o da prefeitura. Resultado semelhante foi conseguido em Bogotá. Essas iniciativa­s de ação social, juntamente com a Polícia Pacificado­ra, funcionam até hoje. As obras foram financiada­s em 90% com recursos obtidos de parcerias público-privadas entre a prefeitura e as empresas da região.

Experiênci­a colombiana pode ajudar o Rio no combate ao crime e na ação social pacificado­ra

COORDENADO­R DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGIC­AS DA UFJF. PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME E DOCENTE DA UNIVERSIDA­DE POSITIVO, LONDRINA E-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM

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