O Estado de S. Paulo

Em SP, 1% morreu com a ‘hespanhola’

Doença chegou ao Brasil pelo Rio de Janeiro e vitimou até o recém-eleito presidente Rodrigues Alves

- / F.C.

Em outubro de 1918, a cidade de São Paulo se mobilizou para fazer o que fosse possível contra a pandemia, que chegou no Brasil no mês anterior. Ainda assim, o surto matou 1% da população – mais de 5 mil pessoas.

No dia 22 de outubro de 1918, as primeiras mortes causadas pela gripe espanhola – ou simplesmen­te “a hespanhola”, como se dizia na época – foram anunciadas pelos jornais, entre eles o Estado, e o desespero rondou os moradores de São Paulo, segundo a historiado­ra Liane Maria Bertucci, da Universida­de Federal do Paraná.

Liane escreveu diversos artigos e também sua tese de doutorado na Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) sobre a epidemia em São Paulo. Em sua pesquisa, acompanhou as discussões dos médicos sobre a pandemia a partir dos textos dos jornais de 1918. “A epidemia foi devastador­a, mas a mobilizaçã­o da sociedade, dos médicos, jornalista­s e autoridade­s foi surpreende­ntemente bem organizada, levando-se em conta uma situação limite como aquela.”

De acordo com ela, a gripe espanhola chegou em setembro ao Rio de Janeiro, e a população paulistana já aguardava, apreensiva, sua chegada. Médicos, políticos, a igreja, a Cruz Vermelha e até os escoteiros participar­am de uma força-tarefa contra a gripe. “O Estadão publicava diariament­e os relatos da Inspetoria de Higiene. Ainda assim, 120 mil pessoas adoeceram e cerca de 5 mil morreram.”

No Rio de Janeiro, na época a capital federal, com 914 mil habitantes, quase 600 mil adoeceram. Em poucos meses, 12,6 mil morreram. A vítima mais conhecida foi o então presidente eleito do Brasil, o paulista Rodrigues Alves. Ele ficou doente no fim de 1918 e morreu em janeiro de 1919, antes de tomar posse.

Em São Paulo, segundo Liane, as primeiras estatístic­as sobre mortes começaram a ser divulgadas em novembro. As cifras eram até então inimagináv­eis: já havia quase 8 mil doentes e, apenas no dia 4 daquele mês, 171 mortos. Entre os médicos, discutia-se se a causa da epidemia se era um bacilo ou um vírus. Eles receitavam repouso, pouca comida, purgantes – como sulfato de sódio ou magnésio – e sudorífico­s, como tintura de acônito, acetato de amônio, infusão de jaborandi, xarope de conhaque e de tília.

“Havia também recomendaç­ão de chás de canela, injeções de óleo canforado, éter ou estricnina, as então conhecidas poções de Rivière e de Todd, utilizadas para combater problemas pulmonares”, lembra.

Origem. A pandemia ficou conhecida como gripe espanhola, mas não surgiu naquele país. Durante a Primeira Guerra Mundial, os jornais dos países envolvidos censuravam as notícias sobre a pandemia, como recurso para não baixar o moral das tropas. A Espanha, neutra no conflito, noticiava a devastação causada pela gripe. Assim, as populações de outros países acreditava­m que o problema era exclusivam­ente espanhol. Quando as mortes começaram a se multiplica­r aos milhares por todo o mundo, as pessoas começaram a se referir ao surto como “a gripe espanhola”.

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