O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Se não alterarmos o modelo de funcioname­nto da máquina pública, continuare­mos perpetuand­o a desigualda­de.

OBrasil é um dos países mais desiguais do mundo. Em números de 2016, o rendimento médio mensal da metade mais pobre da população era de R$ 747. Isso significa apenas 2,77% do rendimento médio do 1% mais rico da população. Ou seja, quem ganha R$ 27 mil ou mais por mês está entre o 1% mais rico da população brasileira.

Esse dado chocante – mas real – não pode ser ignorado quando se discute a qualidade dos serviços públicos no Brasil. Afinal, há de se lembrar que educação, saúde e segurança são serviços públicos essenciais e são eles que, uma vez providos com qualidade e, se direcionad­os aos mais pobres, atuam para reduzir nossas desigualda­des e gerar oportunida­des iguais para a parcela da população que só tem no Estado a chance de progredir.

É com educação pública de qualidade que crianças nascidas em famílias pobres passam a contar com a possibilid­ade de, no futuro, terem uma renda superior à dos seus pais. Somente a oferta adequada de saúde pública permite que gestantes das classes mais baixas possam gerar e criar bebês saudáveis que terão condições de aprender mais e de se desenvolve­r.

Da mesma forma, é a oferta de boas creches públicas – e em número adequado – que permite que mulheres sem apoio entrem e se mantenham no mercado de trabalho e que recebam salários equivalent­es aos dos seus pares homens. Só um bom atendiment­o gratuito de saúde permite que adultos de baixa renda se mantenham saudáveis e produtivos e tenham uma velhice decente.

Indo um pouco além, é a eficiência dos gastos públicos em educação e em segurança que evita que nossos jovens pobres sejam cooptados pelo crime ou percam sua vida na violência urbana. É ainda uma gestão eficiente e uma máquina pública voltada para o cidadão que garantem que políticas sociais tenham os impactos desejados e que investimen­tos sejam bem planejados e cheguem a bom termo, fomentando o desenvolvi­mento econômico e social e culminando em uma sociedade mais justa.

Esse é o avesso do que observamos hoje no Brasil. Nossos índices de qualidade de educação estão entre os mais baixos do mundo e nosso atendiment­o público de saúde dispensa adjetivos. Na segurança pública, a criminalid­ade crescente, a situação dos presídios e a ascensão do crime organizado bastam para apresentar o cenário. Por outro lado, se olharmos a evolução dos gastos correntes e os resultados que colhemos de volumes cada vez menores de investimen­to público, a conclusão não é outra senão a de que estamos fazendo algo muito errado e que o modelo precisa ser revisto.

Para não reinventar a roda, vale olhar o exemplo do Reino Unido. David Cameron, ex-primeiro ministro britânico que ficou marcado pelo malfadado referendo sobre o Brexit, foi também responsáve­l pelo mais bemsucedid­o ajuste fiscal do pós crise de 2008. Mas é a reforma do serviço público – face menos conhecida do ajuste inglês – que merece destaque, principalm­ente pelo seu ponto de partida. Em mensagem enviada ao Parlamento para apresentar a reforma, Cameron ressaltou que a motivação para uma completa revisão no funcioname­nto da máquina pública era a de buscar justiça social. Ele começa falando da necessidad­e de criar oportunida­des iguais para todos e avança na defesa de um Estado que atenda bem a quem mais precisa dele, única forma de gerar justiça e união.

Não somos a Inglaterra, um país que teve grandes líderes e em particular teve Margareth Thatcher, uma líder excepciona­l. Mas aqui, muito mais do que lá, a criação de um ambiente mais igualitári­o na partida é fundamenta­l. Se não alterarmos o atual modelo de funcioname­nto da nossa máquina pública, isso não será possível. Continuare­mos perpetuand­o a desigualda­de e reforçando a condição de pobreza dos que já são pobres.

Temos, nós mais do que eles, de redefinir as prioridade­s e garantir que o resultado da provisão de serviços públicos – e portanto dos gastos com a máquina – seja o avesso do que é hoje: a geração de oportunida­des iguais como um instrument­o de redução da nossa enorme desigualda­de.

Estamos fazendo algo muito errado e o modelo precisa ser revisto

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil