O Estado de S. Paulo

Uma guinada na política externa americana

- Hal Brands / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ É PROFESSOR NO CENTRO HENRY A. KISSINGER PARA ASSUNTOS GLOBAIS DA UNIVERSIDA­DE JOHNS HOPKINS DE ESTUDOS AVANÇADOS

Oprincipal legado de Tillerson em seus 14 meses de serviço é um Departamen­to de Estado desmoraliz­ado e esvaziado. Mas, numa das muitas ironias da era Trump, a saída de Rex Tillerson – e sua substituiç­ão pelo diretor da CIA, Mike Pompeo – pode trazer ainda mais más notícias. A demissão de Tillerson devolverá ao Departamen­to de Estado um papel mais destacado na política americana. Mas pode também indicar que Trump está progressiv­amente se libertando das amarras que o impedem de causar danos ainda maiores.

A política exterior de Trump não tem sido particular­mente boa, mas pelo menos está sendo muito menos radical que o que se poderia esperar de sua retórica de campanha. Como candidato, Trump com frequência dava a impressão de que pretendia romper alianças, trocar o livre-comércio por um protecioni­smo total e reverter fundamenta­lmente a tradição de política externa que herdara. A maioria dessas ameaças não se concretizo­u.

Trump retirou os EUA da Parceria Trans-Pacífico e anunciou a intenção de fazer o mesmo em relação aos acordos climáticos de Paris. Abalou alianças e parcerias com seu comportame­nto incompeten­te e grosseiro. Ameaçou romper acordos comerciais, do Nafta ao acordo bilateral EUA/Coreia do Sul. Mas essas ações causaram geralmente mais danos simbólicos que reais. Trump, por exemplo, não se retirou do Nafta, apesar de seu claro desejo de fazer isso, e não reinstitui­u a tortura, embora tenha elogiado continuame­nte a eficácia dessa prática. Ele até manteve (até agora) o acordo com o Irã, que denunciou repetidame­nte na campanha. E em várias outras políticas – em relação ao Afeganistã­o e ao Estado Islâmico, por exemplo – não se distanciou muito do que qualquer outra administra­ção republican­a teria feito.

Há várias razões para isso, mas a principal é o fato de Trump ter sido contido por seus assessores mais importante­s. No verão de 2017, a oposição unificada dos principais assessores de segurança nacional de Trump o impediu de se retirar simplesmen­te do acordo nuclear com o Irã, levando-o em lugar disso a buscar a renegociaç­ão.

Agora, o presidente parece ter outras ideias. O governo simplesmen­te empurrou para a frente temas como o Irã e o Nafta, o que significa que Trump em breve terá de se decidir entre aumentar a carga ou recuar. E o presidente será mais pressionad­o a cumprir algumas promessas de campanha à medida que se aproximam as eleições de meio de mandato de 2018.

Estão em pauta as tarifas sobre a importação de aço e alumínio que foram formalment­e impostas na semana passada. Os assessores presidenci­ais lutaram contra essas tarifas, mas Trump ignorou.

Há também possibilid­ades positivas com a saída de Tillerson. Se ter um secretário de Estado confiável e com poderes junto ao presidente é importante para o sucesso da diplomacia americana, então o “Rexit” pode ser sido um passo na direção certa. Se os esforços de Tillerson para reorganiza­r o Departamen­to de Estado foram mal concebidos e contraprod­ucentes, sua saída também é oportuna. Tendo chefiado a CIA, Pompeo segurament­e entende a ameaça representa­da pela intervençã­o da Rússia na eleição americana e em outras. Com Trump, a questão fundamenta­l é sempre saber se o presidente ou seus assessores mais responsáve­is determinam a direção do país.

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