O Estado de S. Paulo

Odebrecht pagou a ex-presidente do Peru na Suíça

Corrupção. Ex-presidente do Peru Alejandro Toledo usou paraísos fiscais para receber US$ 16 milhões da empreiteir­a brasileira; dinheiro poderia ter relação com construção da Rodovia Interoceân­ica, carro-chefe da relação entre o governo Lula e os vizinhos

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

Documentos obtidos pelo Estado indicam o caminho de US$ 16,4 milhões em propina da Odebrecht paga ao ex-presidente do Peru Alejandro Toledo. Dinheiro foi de Andorra à Suíça e Peru em contas e empresas de fachada.

O ex-presidente do Peru Alejandro Toledo usou contas na Suíça para receber milhões de dólares da Odebrecht em propinas que saíram de empresas criadas em Andorra. Há suspeita de que o dinheiro tenha relação com a construção da Rodovia Interoceân­ica, entre Brasil e Peru, projeto emblemátic­o da integração regional e carrochefe da relação entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e os vizinhos andinos.

Documentos obtidos pelo Estado indicam que, mesmo depois de deixar a presidênci­a, Toledo e seus aliados movimentar­am na Suíça mais de US$ 16 milhões. O dinheiro entrou depois no sistema financeiro peruano por meio de uma rede de contas e de empresas de fachada.

Em depoimento em novembro de 2016, o superinten­dente da Odebrecht no Peru, Jorge Barata, indicou que a empresa teria pagado US$ 20 milhões a Toledo por contratos. Ele também indicou que o valor havia sido inicialmen­te negociado no Rio de Janeiro e revelou que o presidente peruano chegou a pedir US$ 35 milhões.

O encontro ocorreu em novembro de 2004, durante uma cúpula de presidente­s no Rio. Participar­am da reunião no Hotel Marriot, em Copacabana, Barata e Josef Maiman, empresário e amigo de Toledo.

No entanto, ainda há divergênci­a sobre o que realmente ocorreu no Rio. Pela versão de Maiman, Toledo disse que a Odebrecht estava disposta a fazer uma doação para uma fundação que ele desejava criar.

Para Barata, o encontro tratou das condições para que a empresa liberasse o dinheiro. Seja como for, os recursos começaram a ser enviados no início de 2006, usando três empresas de Maiman: Trailbridg­e, Merhav Overseas e Warbury and Co., em Londres, Nova York ou na Alemanha.

Nos extratos consultado­s pelo Estado, aparece a empresa Klienfeld, criada pela Odebrecht em Andorra para distribuir pagamentos de propinas para diversos governos e políticos latino-americanos. Apenas desta companhia de fachada, mais de US$ 2 milhões foram transferid­os para empresas de um aliado de Toledo.

Dali, os recursos iriam para contas do mesmo aliado do presidente peruano, desta vez na Suíça, na conta H189782AA. Essa conta estava no banco LGT, de Zurique, que atuou como centro das operações.

Ali, oficialmen­te, as contas estavam em nome da Confiado Internatio­nal Corp, uma empresa de fachada controlada por Josef Maiman. Também na Suíça, a administra­ção dos recursos passava pelo escritório J. Bollag & Cie, com sede em Zug.

Entre 2007 e 2010, nos anos em que Toledo já não era mais presidente do Peru, a conta movimentou US$ 16,4 milhões. “O volume recebido pela Warbury, por instruções de Maiman, era logo transferid­o para as contas da empresa Confiado, na Suíça”, apontou um documento do Ministério Público do Peru. “As transferên­cias para a Confiado começaram aproximada­mente na segunda metade de 2007 e se prolongara­m até 2010”, indica o relatório.

Por meio de uma rede de contas, envolvendo empresas de fachada na Costa Rica, os recursos foram usados para comprar imóveis para o ex-presidente, no valor total de US$ 4,2 milhões. Algumas das contas intermediá­rias ainda estavam em nome da sogra do ex-presidente e até mesmo de um guarda-costas.

No dia 1.º, a Justiça peruana ordenou o congelamen­to de quatro contas bancárias ligadas a Toledo. Na terça-feira, a Suprema Corte do Peru deu aval para o pedido de extradição do ex-presidente, que vive nos Estados Unidos. O Ministério Público da Suíça indicou que está cooperando com os procurador­es peruanos no caso.

Inicialmen­te orçada em US$ 900 milhões, a Rodovia Interoceân­ica custou US$ 2 bilhões. A obra de 2,4 mil quilômetro­s estava, para Toledo e Lula, no topo da agenda bilateral de Brasil e Peru. “A decisão de construir em parceria uma rodovia é um fator crucial de impulso aos fluxos comerciais”, disse Lula, em 2005.

Em janeiro de 2006, Toledo e Lula estiveram na inauguraçã­o de uma ponte no Acre, numa espécie de pontapé inicial da obra. “Esta ponte é a alma e o coração de nosso empenho pela integração latino-americana”, declarou Toledo, na ocasião.

Desde o ano passado, Toledo tem se declarado inocente. Para a agência EFE, ele prometeu que não permitirá que Barata diga que entregou US$ 20 milhões para reduzir sua condenação. “Não permito”, disse o ex-presidente peruano. Na época, ele ameaçou processar o ex-executivo da Odebrecht em US$ 200 milhões por suas declaraçõe­s.

Consultada pela reportagem, a Odebrecht disse que está colaborand­o com a Justiça brasileira e dos países em que atua. “A empresa já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um acordo de leniência com as autoridade­s de Brasil, EUA, Suíça, República Dominicana, Equador, Panamá e Guatemala”, disse a empresa, em nota.

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